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Tuesday, July 22, 2008

COMUNIDADE FANSUBBER: CIBERCULTURA, COMPARTILHAMENTO E INTELIGÊNCIA COLETIVA


André Perides faz pós-graduação da Cásper Líbero. Fui seu professor na matéria Práticas Colaborativas na Internet. Fiquei bem interessado quando me explicou seu projeto de pesquisa: entender as comunidades de funsubbers. Como seu orientador reconheço que fui e ainda sou um aprendiz desse universo que André conhece tão bem. Mas o pouco que aprendi já me esclareceu o suficiente para ser contra as tentivas absurdas do Senador Azeredo (infelizmente agora com apoio do Lider do PT no Senado) de tentar criminalizar esta prática criativa, coletiva e voluntária. É óbvio que o projeto do Azeredo vai mais longe, ele visa permitir a ação da RIAA e da MPAA-LA de criminalizar o uso justo dos bens culturais cerceados pelo copyright. Independente disso, segue a entrevista que fiz com André Perides sobre uma das práticas colaborativas da Internet mundial que mais contribuem para a diversidade cultural.


ENTREVISTA

Sergio Amadeu: André, qual a diferença básica entre os fanfics e os fansubbers?

André Perides = É totalmente diferente. Basicamente, os fanfics trabalham com recriações; são outras histórias feitas pelos fãs usando os modelos e personagens já conhecidos. Já no fansuber, trata-se de uma tradução da obra original, também feita por fãs, mas sem nenhum tipo de alteração. No caso dos animes e mangás, é o mesmo desenho que passou na emissora japonesa ou do mangá que foi publicado em japonês. Mas traduzido para outra língua. Inclusive a tradução da obra tal como ela foi feita, o mais fiél possível aos objetivos do autor, é um dos principais argumentos que os grupos defendem.


Sergio Amadeu: O que leva estas pessoas a traduzirem séries de ficção, animes e mangas? Existem algumas motivações principais?

André Perides = O gosto pela tema é provavelmente o principal motivo. Os grupos querem ver o hobby deles difundido a ponto de querer compartilhar mais títulos na própria língua. Acompanhar e traduzir as séries que gostam costuma ser encarado como uma diversão, por mais trabalhoso que possa ser. A busca pelo reconhecimento da comunidade por um trabalho bem feito e de ver os projetos dando certo também é algo importante. Treino de idioma, uso de softwares específicos, novas amizades, entre outras coisas que se adquire trabalhando nos fansubers são todos estímulos a mais que os fazem querer participar dos grupos.


Sergio Amadeu: Quantas pessoas você estima que estejam envolvidas com as atividades de traduzir mangas e animes somente aqui no Brasil?

André Perides = É muito difícil fazer esse tipo de estimativa. Grupos começam e encerram as atividades a todo instante. Membros entram e saem dos grupos. Apenas dentro dos grupos que eu entrevistei para a pesquisa, em 40 grupos havia cerca de 520 pessoas envolvidas. Se você considerar que atualmente no Brasil haja cerca de 200 grupos ativos... Um número interessante envolvendo a comunidade como um todo é dos usuários registrados no Haitou (www.haitou.org), principal tracker de compartilhamento por torrent dos arquivos de fansubers brasileiro: cerca 88 mil usuários.


Sergio Amadeu: E no mundo?

André Perides = É o mesmo problema. Qualquer número que eu disser será mero palpite. Um dado interessante pode ser obtido no site AniDB.info, que faz cadastro de fansubers de anime de todo o mundo: 6393 grupos cadastrados.


Sergio Amadeu: Qual o perfil dessas pessoas? São apenas adolescentes?

André Perides = A faixa etária predominante varia entre 15 a 30 anos. A grande maioria apresenta ensino superior em andamento, mas há uma quantidade significativa tanto de pessoas que já tenham curso superior concluído como também de jovens que ainda estão cursando ensino médio. As áreas de formação e profissões são as mais variadas possiveis. E a localidade também é muito diversificada. Dentre os dados que eu coletei durante a pesquisa apareceram participantes de simplesmente 19 estados brasileiros, e com uma presença muito forte de cidades e estados fora do eixo rio-são paulo. Aliás, essa intensa diversidade geográfica entre os membros é uma característica comum percebida em praticamente todo os grupos. Não me parece que seja apenas uma brincadeira de adolescentes. Só nessa amostra apareceram dentista, veterinária, biólogo, técnicos de informática, funcionários públicos, uma procuradora de município... Ou seja, são alguns dados que mostram que o negócio vai muito além das menininhas de cabelo verde, fantasiadas de saylor-moon ou pokemon que a gente costuma ver em matérias sobre fãs o assunto.

Sergio Amadeu: Você considera a atividade desses grupos culturalmente importante?

André Perides = Do ponto de vista acadêmico considero que a prática do fansuber é um tema que reune os principais assuntos que atualmente se discute envolvendo tecnologia e a popularização da internet: as comunidades virtuais, as redes de compartilhamente P2P, a questão do copright vs a divulgação de culturas e informações, a questão do trabalho colaborativo. Tudo isso está presente. Também considero que é uma atividade - feita predominantemente por jovens e jovens adultos - que pode ser muito importante como um complemento na formação desse pessoal. Imagine um cara de 15 anos que de manhã vai na escola e à tarde participa de um grupo junto com outras pessoas de diferentes lugares, experiências e formações. A tradução de um mangá, por exemplo, pode se tornar uma aplicação prática e prazeirosa para treinar um conhecimento adquirido em aulas de inglês. E uma atividade que tem um retorno imediato do público, daqueles que acompanham os trabalhos de grupo e que eventualmente se manifestam dando conselhos, dizendo o que achou da tradução, fazendo críticas, querendo ajudar. Sem falar que é muito mais divertido tentar traduzir uma história envolvente do que um texto sem graça puramente didático. Trabalho em grupo, lidar com pressão, prazos, aperfeiçoar conhecimentos, o aprendizado de uma cultura diferente, todas essas são habilidades que um jovem ainda em fase escolar poderia praticar e adquirir. Não podemos ignorar também que o crescimento pelo interesse por esses quadrinhos e desenhos japoneses é um fênomeno internacional, com possiveís efeitos nas mídias e no mercado tradicional, muito mais amplo e que esses grupos de tradução são apenas uma parte de todo o processo. E no Brasil está se tornando cada vez mais visível. Vide o aumento nos títulos licenciados nas bancas e emissoras de tv, hoje já é possível encontrar cursos de japonês que são vendidos em bancas de jornal, cerca de dois meses atrás o caderno Folhateen lançou um concurso de mangá... Ontem mesmo eu li no blog de quadrinhos do uol que vai ser lançada uma versão da turma da mônica no estilo mangá voltada para o público jovem. Ou seja: é um tema extremamente atual e presente. Pode parecer que a atividade desses grupos são apenas experiências individuais ou de uma pequena comunidade, mas ela também reflete um pouco de tudo isso que a gente está vivendo hoje.

Os fansubers, como filosofia de trabalho, lidam apenas com materiais que não estejam licenciados no país. Para os fã de anime e mangá isso é muito importante pois oferecerá uma variadade de títulos que em sua maioria seguramente não vão chegar ao país, por mais que aumente o número de obras licenciadas, já que a quantidade de lançamentos no Japão é muito intensa. Outra coisa: esses grupos de certa forma ajudam a despertar o interesse e abrir acesso para uma outra cultura. Determinados termos do japonês que são culturais e de tradução muito difícil como "okaeri", "iterashai", "itadakimasu", são muito familiares para os fãs de anime dada a freqüência que eles aparecem nos desenhos. O cara pode começar assistindo uma série de anime popular e ir se interessando em aprender outros assuntos relacionados à cultura japonesa, aprender sobre o idioma, a música, etc. Além de anime e mangá já há no brasil diversos fansubers especializados na tradução de filmes e dramas seriados asiáticos, por exemplo. Isso tudo pode se revelar como uma alternativa muito interessante à cultura norte-americana já tão saturada.


Sergio Amadeu: O que te levou a pesquisar este tema e estas comunidades?

André Perides = Tratas-se de um trabalho de conclusão de curso de pós-graduação com especialização em teorias e práticas da comunicação. Como venho acompanhando o trabalho dos fansubers há alguns anos achei que poderia ser um bom tema. Considero que o trabalho dos fansubers, do ponto de vista da comunicação, é um objeto de certa forma pouco explorado e com um potencial muito grande pra ser estudado. Como disse, os principais temas que se discute atualmente envolvendo tecnologia estão presentes. Além disso é um tema que nos permite diversas outras abordagens que não apenas a da comunicação.

Sergio Amadeu: Quando você terminará a redação de seu trabalho?

André Perides = Boa pergunta (risos). No máximo até segunda semana de agosto, quando termina a data final de entrega. Mais que isso não passa!