Thursday, April 05, 2007

NA ECONOMIA DIGITAL COLABORAR É MAIS EFICIENTE QUE COMPETIR

Foi publicado no jornal Gazeta Mercantil, na página 3, dia 2 de abril, o artigo que escrevi sobre as práticas colaborativas na economia informacional.


"Na economia digital colaborar é mais eficiente que competir. Um número crescente de empresas estão percebendo as enormes vantagens das práticas colaborativas para a inovação e manutenção de seus negócios. As redes informacionais viabilizam novas práticas sociais e de geração de riquezas que eram difíceis e até impossíveis de implementar na chamada era industrial.

O professor de direito da Universidade de Yale, Yochai Benkler, no livro The Wealth of Network, ainda não traduzido em português, mas disponível na web (www.benkler.org/wealth_of_networks/index.php/Main_Page), demonstrou que uma série de mudanças nas tecnologias, na organização econômica e na produção social estão criando novas oportunidades e possibilidades de produzir informação, conhecimento e cultura. Estas mudanças, segundo Benkler, estão ampliando o papel da produção não-proprietária e colaborativa, realizada por indivíduos isolados e por esforços cooperativos de milhares de pessoas. É o caso, por exemplo, do desenvolvimento de software livre.

O modelo de desenvolvimento e uso de software livre se baseia na colaboração. Programas de computador extremamente complexos são criados e mantidos por comunidades de interessados. Um dos seus maiores exemplos, o GNU/Linux, é um sistema operacional livre, mantido aproximadamente por 150 mil pessoas espalhadas pelo planeta. Como todo e qualquer software, o GNU/Linux precisa ser atualizado constantemente para acompanhar a evolução dos computadores e demais softwares. Antes que uma nova versão do GNU/Linux seja considerada estável, ela é testada e corrigida por uma comunidade gigantesca de apoiadores. As chances de ter suas falhas mais rapidamente encontradas e superadas é bem maior do que no modelo proprietário e fechado. A qualidade das versões está diretamente vinculada a quantidade da inteligência coletiva agregada na rede mundial de computadores. Sem dúvida, a coordenação do processo é o elemento mais sensível e complexo das práticas colaborativas em rede.

O que cada colaborador doa, em tempo de trabalho, para o desenvolvimento do GNU/Linux é bem menor do que obtém de retorno. Esta lógica levou a IBM e outras grandes corporações a apostarem no desenvolvimento colaborativo. A eficiência obtida e os saldos economicamente positivos são tão relevantes que o jornalista Thomas L. Friedman, autor do best seller O Mundo é Plano, dedicou um capítulo ao movimento de desenvolvimento de software livre e aberto. Friedman concluiu que “o Apache e o Linux vêm promovendo, na computação e no uso da Internet, um corte de custos extremamente nivelador – e esse movimento não vai esmorecer”. Apache é um dos maiores sucessos mundiais do software livre. Ele serve para hospedar páginas da web e está presente em mais de dois terços dos servidores web do planeta. Imbatível. Obteve esta posição sem gastar um centavo em propaganda. Nunca precisou, ele é desenvolvido colaborativamente e sua estabilidade é incomparavelmente superior ao do concorrente proprietário.

Não é por menos que no segmento de rede, de software embarcado em aparelhos eletro-eletrônicos, nas áreas de missão crítica (onde a estabilidade dos códigos é derradeira), o modelo de desenvolvimento colaborativo de desenvolvimento de software está tornando-se hegemônico. Uma demonstração dessa tendência pode ser encontrada no livro de David Bunnell, Conexão Cisco. Em seu relato podemos perceber que a empresa Cisco foi umas das pioneiras no trabalho colaborativo. As informações sobre seus produtos eram trocadas de igual para igual entre seus clientes. Problemas eram socializados pelas redes e soluções eram discutidas entre usuários e técnicos da companhia. Caso usassem o método tradicional, fechado, os engenheiros da Cisco jamais teriam obtido o mesmo desempenho. Doug Allred, então executivo da empresa, avaliou que se não fosse pelo processo colaborativo estabelecido “a Cisco teria que contratar até 10 mil engenheiros para acompanhar seu crescimento”. Isto no início dos anos 1990.

Na última semana de março deste ano, quem buscasse saber quais os dez sites mais visitados na Internet encontraria na quarta posição o youtube (www.youtube.com) e na décima a enciclopédia wikipedia (www.wikipedia.org). Estes sites são dois grandes exemplos de práticas colaborativas. O youtube conta com o apoio dos próprios internautas para inserir no site os vídeos que geraram sua enorme audiência. Trata-se de uma prática de agregação colaborativa de conteúdo. A wikipedia é a maior enciclopédia do mundo. Trata-se de um trabalho de compartilhamento. Quando um internauta cria um artigo ou verbete para a enciclopédia, outros podem melhorá-lo ou corrigi-lo. Os extremistas do mundo proprietário tentaram afirmar que o nível de erros existentes em um trabalho colaborativo como a construção de uma enciclopédia seria muito maior do que em um modelo fechado. Testes empíricos demonstraram que quanto maior a comunidade de colaboradores maior será a qualidade do produto, ou seja, a quantidade pode gerar qualidade, a depender das regras e da coordenação do processo. O mecanismo de revisão colaborativa da wikipedia baseia-se em dar o status de revisor aos colaboradores mais antigos e participativos. Como são muitos, sua capacidade de revisão é grande. Nenhuma editora teria como conseguir o mesmo resultado internamente, pagando funcionários, exceto lançando um produto com preço extremamente elevado.

Uma das linguagens de programação mais usadas na rede é a linguagem Java, criada pela SUN Microsystems. A grande vantagem de programar em Java é que seu produto poderá rodar em qualquer plataforma. Existe um programa que interpreta a linguagem Java e permite que ela seja entendida por qualquer sistema operacional. É o JVM, ou máquina virtual Java. No ano passado, a SUN decidiu liberar os códigos do JVM e licenciá-los em GPL (General Public Licence), a licença típica do software livre. Com isso a SUN que já tinha uma gigantesca comunidade de usuários irá ganhar uma grande comunidade de desenvolvedores de sua máquina virtual. Compartilhar o conhecimento é gerar riqueza."

1 comment:

Patrícia Kalil said...

Adorei o artigo!!

Eis outra citação do livro 'Wikinomics - Como a Colaboração em Massa Muda Tudo', de Don Tapscott e Anthony D. Williams: "A grande promessa da anarquia colaborativa é que por meio de 'peer production' nós aproveitamos as habilidades humanas, potencial de invenção e inteligência de maneira mais efetiva do que qualquer outra forma vista anteriormente."

O conhecimento coletivo e a capacidade dessa enorme rede horizontal de participantes é gigantesco. Quem ainda quer navegar sozinho nesse oceano corre alto risco de não ter mãos para remar e olhos para observar à frente.

Valeu, Samadeu! :)