Friday, October 10, 2008

A CRISE ATUAL É UMA CRISE DA VIRTUALIZAÇÃO EXCESSIVA DO CAPITALISMO FINANCEIRO


A crise financeira atual é também uma crise da virtualidade.
O termo virtual passou a visitar as páginas de tecnologia e a identificar os processos comunicacionais que ocorrem no ciberespaço. Seguindo Deleuze, Pierre Lévy insistia: o virtual não está contraposto ao real. Mas, parte da imprensa insistia em chamar a virtualidade de irrealidade. Uma pena. Um erro. O virtual é uma das mais antigas expressões da nossa realidade. A história do processo econômico é a história da crescente virtualização.

A moeda é a riqueza virtualizada. Há muito temos a prática social de encontrarmos equivalentes de troca que expressam os produtos em potência. Reis trocaram vastas extensões de terras e mercadorias por um monte de moedas de ouro. Mas o ouro não é nada mais do que algo que sintetiza a riqueza.

O papel moeda é a virtualização da moeda de metal e chegamos a um estágio tal que o dinheiro representa uma parte bem pequena dos meios de pagamento que usamos em nossas sociedades. A moeda é fundamentalmente escritural e, atualmente, existe e é trocada em formato digital. A maior parte das pessoas de classe média retiram menos de 20% do que ganham em papel-moeda. Elas fazem pagamentos e compras transferindo moeda escritural em formato eletrônico, em bits.

No dia-a-dia as pessoas acabam perdendo as dimensões do processo virtualizante que as redes comunicacionais superdimensionam. Trata-se do fetichismo pós-moderno da mercadoria, que Marx já alertava de modo perspicaz no século XIX. As coisas parecem ser naturais, o dinheiro parece possuir de fato a riqueza. O cotidiano do sistema nos faz esquecer que boa parte do que consideramos de grande valor econômico nada mais é que resultado de um contrato social. Mas todo o contrato social virtualiza-se e apresenta-se como natural, quase como divino, do contrário torna-se frágil. É preciso acreditar que ele existe independente da sociedade. Que ele é técnico, é preciso, é como uma das leis da física.

O capitalismo financeiro hiperdimensionou os processos de virtualização da Economia. Com redes informacionais recobrindo o planeta, os capitais puderam alavancar a riqueza a partir da virtualização dos títulos e dos papéis que representam investimentos. Tudo parecia bem sólido. Era até que o danado e imbecil do Bush acreditando nas suas próprias palavras permitiu que uma grande instituição quebrasse sem socorro. Sim, o capitalismo que se auto-regula é um mito. Sempre foi. A mão invisível novamente não foi vista para solucionar mais uma crise sistêmica. Sabe por que? Porque invisível é boa parte da riqueza que foi gerada como promessa de pagamento futuro.

O pagamento não ocorreu. Os compradores não apareceram e os que apareceram disseram que não iriam pagar do jeito que havia sido projetado. Assim, as pessoas redescobrem que o que denominamos riqueza são contratos, virtualização de acordos e de compromissos sobre trabalho, serviços e produtos, materiais e imateriais. Muitos desses contratos são realizados no Mercado de Futuros e nada mais são do que apostas em algo que pode ou não acontecer. São jogos. O capitalismo tornou-se um ludocapitalismo.

Como não existe capitalismo sem crédito, é impossível pensar um capitalismo nào-virtual, pois ele é insustentável sem instigar o consumo crescente (tenho pena das pessoas que são capitalistas anti-consumistas, trata-se de uma contradição em termos), o que exige um sistema de crédito permanente, seja para produzir, seja para adquirir.

Por que essa crise é especialmente grave? Porque fulminou o sistema de crédito. Ela será paga pelo povo. Sim, pela plebe rude do sistema. Pela intervenção do Estado na economia. Pelo Fundo Público que não deve salvar os aposentados morrendo a mingua, nem as famílias de classe média norte-americana que terão suas casas tomadas por não conseguirem pagar as suas hipotecas. O capital brada: é preciso salvar os bancos, o sistema. Que se dane os pobres, o meio ambiente. Imprimir dinheiro somente para salvar os bancos e as instituições financeiras. Elas precisam dormir tranquilas. Só assim o mundo acordará feliz e calmo.

Interessante: no meio dessa mega crise finaceira que nada mais é que uma crise da virtualização excessiva do sistema, vejo a Amazônia ter a área de 756,7 km², equivalente a metade do Município de São Paulo, devastada em um único mês. Esse fato não gerou pânico, não provocou nem mesmo uma reunião estraordinária de Ministros... pena que não será possível virtualizar a Amazônia nem recomprar o que foi destruido em uma operação no mercado de futuros...

Estranho, muito estranho esse ludocapitalismo...

10 comments:

Unknown said...

Adorei essas reflexões sobre virtualidade da economia e a crise financeira, Sérgio. Faz sentido mesmo.

Sim, concordo, mão invisível é o cacete, hehehe. Fala-se que essa é uma "crise de confiança (intangível, virtual de certa forma). Bancos, pessoas e demais instituições financeiras lidam com "riqueza" (como você usou), materializada/tangibilizada pelo dinheiro. Mas no fim das contas é uma economia baseada em promessas, previsões, expectativas - médio e longo prazo; aí que caímos todos do cavalo. Ocorre um acidente nas peças desse jogo de dominó - realmente um ludocapitalismo...

Marcelo Salgado, MMORPGs

P.F.R. said...

Voltando ao Levy: o virtual, ao ser problematizado, se torna atual. E dá-lhe problematização.

Anonymous said...

Quer dizer que a área destruída em um único mês foi do tamanho do estado de São Paulo? Sei não, mas me parece um pouco exagerado. Você deve tentar ser bastante preciso nos dados que fornece, pois muita gente lê o que você escreve, e acredita sem checar...

samadeu said...

Agradeço o post do anônimo acima, pois de fato eu inseri no artigo uma informação que recebi por e-mail e que não estava correta. A área devastada na Amazônia em um único mês não era equivalente com o Estado de São Paulo, mas com o Município de São Paulo.

A derrubada de árvores na Amazônia subiu 133,6% em agosto, em relação ao mês de julho, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As imagens de satélites permitiram detectar uma área de 756,7 km² derrubada em um único mês. Estes são os dados corretos. Já corrigi o post. Obrigado pelo reparo e pela informação.

Anonymous said...

Capitalismo selvagem... virtualização completa e excessiva da riqueza...

Anonymous said...

Sergio,
Concordo plenamente com vc.
Vc disse td!!!

E a lei do Azeredo, como anda?

Abç

Várias Anas said...

Bom dia.. Prof. Sérgio!

Li seu texto sobre a "crise atual" e fiz um ctrl c + ctrl V devidamente creditado em meu blog.
Gostei da avaliação e era justamente o que discuti esses dias com alguns amigos.

Tenha uma boa semana!

Anonymous said...

Excelente artigo, obrigado!

Ester said...

Sérgio, só ficou uma dúvida:
você tem mesmo pena tdas pessoas que são capitalistas anti-consumistas?

... pode ser umacontradição nos termos econômicos, mas seriam também contraditórios na sutentabilidade geral do ser ou do planeta?

Abração

Anonymous said...

Sinceiramente, eu estou sempre atentento aos seus comentarios e invariavelmente tem sido de uma inteligencia divinal, agora nao nos deixe orfao deste projecto...Thx

D.Teles
Angola