Esta é uma entrevista que dei no final de 2005 sobre a inclusão digital no país. Como tratou de questões atuais e complexas, achei que seria interessante publicá-la aqui. Aí vai:
1. Qual a importância que se deve conferir à inserção digital num país com as carências sociais e educacionais do Brasil?
A exclusão digital é um fenômeno extremamente perigoso, pois priva a maioria da sociedade do acesso e uso de tecnologias que ampliam a inteligência humana. Enquanto as elites são cada vez mais aptas a processar, armazenar e transmitir informações com velocidade, a maioria da população está privada desses meios. A grande diferença das tecnologias da informação das anteriores é que enquanto as tecnologias industriais ampliavam a força humana e a sua capacidade de criar bens materiais em escala, as tecnologias informacionais superdimensionam a inteligência e a capacidade de transformar informações em conhecimento. Assim, sem combater a exclusão digital podemos estar caminhando para que as desigualdades sócio-econômicas gerem deseigualdades cognitivas. Devemos considerar isto um grave problema social. Não basta dizer que precisamos colocar giz e quadro negros nas escolas. Precisamos da Internet, da wikipedia, de acessar aos livros do projeto Gutenberg, ao site das Olimpíadas de Matemática, aos projetos da Nasa, aos jornais on-line, aos mapas do Google, precisamos capacitar nossos jovens para saber navegar no que foi chamado dilúvio informacional.
2. A inserção digital, no Brasil, é uma questão de política pública?
Ainda não é, mas deveria ser. Problemas sociais exigem políticas governamentais específicas, ou seja, exigem políticas públicas. Ocorre que o Brasil tem avançado muito na conscientização deste problema e no envolvimento de ONGs e empresas em vários projetos de acesso coletivo à Internet, mas infelizmente a maioiria dos dirigentes públicos ainda vêem as ações de combate a exclusão digital como medidas de promoção de suas gestões, como marketing político. É óbvio que isto é positivo, mas uma política pública exige planejamento, recursos e marco legal bem definidos. Uma política pública pode ser alterada quando se alternam os partidos, mas não abolida. A educação é uma política pública. Por isso, um governante quando inicia a sua gestão não pensa em descartar sua rede de professores, nem fechar suas escolas. A inclusão digital precisa chegar a esta condição. Veja bem, considerar a inclusão digital como política pública não significa que ela deva ser feita sem a parceria com a sociedade civil. Ao contrário, ela deve envolver no seu planejamento, execução e controle as entidades legítimas da sociedade civil. Deve também pensar qual o lugar do apoio das empresas privadas.
3. É uma questão de C&T, do domínio da educação ou das duas?
A política de inlcusão digital não pode ser entendida como distribuição de computadores ou como adestramento das pessoas para usar máquinas digitais, como ATMs dos bancos. Inclusão digital é principalmente uma política de formação e capacitação da sociedade para utilizar as tecnologias da informação para aumentar seus conhecimentos sobre a realidade, para comunicar-se com a velocidade informacional média do nosso tempo, para usá-las em benefício próprio. Costumo usar de exemplo, a primeira gestão do então presidente norte-americano Bill Clinton que distribuiu computadores nas escolas rurais de seu país. Quase todos viraram sucata. Faltou capacitar os professores, conectar as máquinas às redes e construir uma rede de suporte. A inclusao digital, no Brasil é uma política tecnológica pública que passa pela educação formal e pela ampliação da cidadania. Isto quer dizer que devemos informatizar rapidamente todas as nossas escolas, capacitar os professores para o processo de ensino-aprendizado em rede e para utilizar a Internet como instrumento didático. Considero um enorme despoerdício de tempo quando vejo tudo o que é possível fazer com a wikipedia, enciclopédia colaborativa, e, ao mesmo tempo, sei que nem 40% das escolas brasileiras estão conectadas à Internet. Esta é a prioridade na área da Educação. Segundo, é preciso criar uma ampla rede de telecentros, ou seja, locais públicos e gratuitos de acesso à rede mundial de computadores. A conexão das escolas não resolve o problema de termos a maioria das nossa população fora da escola. As pessoas, crianças, adolescentes e adultos, têm o direito à comunicação mediada por computador. A cidadania na era digital passa pelo direito ao acesso aos governos, à Justiça e ao comércio eletrônicos, à comunicação instantânea e, no mínimo, a um e-mail. Resumindo: defendo conectar todas as escolas, como fez a Província de Extremadura na Espanha, e construir uma rede de locais públicos de acesso das comunidades carentes à Internet, os telecentros.
4. As políticas públicas hoje em prática, no país, atendem a essas necessidades?
Ainda não, mas temos já o início de sua construção. A prefeitura de São Paulo, na gestão da prefeita Marta Suplicy, iniciou um programa de montagem de uma rede de telecentros na periferia extrema que chegou a atender 500 mil usuários. O goevrno de São Paulo tem um programa chamdo infocentros. O goevrno do Paraná tem os telecentros sendo montados nas regiões carentes. O goervno da Bahia também está concluindo uma rede de 200 telecentros e o governo federal está montando o programa Casa Brasil. O interessante é que excetuando, o programa do Governo do estado de S. Paulo, todos os outros programas que citei utilizam a plataforma informacional livre, ou seja, usam software livre. Isto dá maior autonomia tecnológica ao país e reduz o desperdício de recursos públicos escassos com o pagamento de licenças de propriedade. Por outro lado, estas iniciativas são descoordenadas e muitas delas dependem do "gestor de plantão". Por exemplo, a Caix Federal, assim como exige que os projetos habitacionais obedeça determinadas normas ambientais, deveria cobrar que todo o conjunto habitacional tivesse um espaço para um telecentro, embutido o custo da rede, conexão e computadores. Outro exemplo. até quando vamos aceitar que os recursos do FUST (algo em torno de R$ 3 bilhões) fiquem contigenciados? A estabilidade econômica é fundamental, mas ela pode ser melhorada se conseguirmos aumentar a empregabilidade da sociedade e as competências de nossa inteligência coletiva. Se formarmos massivamente nossos jovens com software livre reduziremos o custo Brasil e aumentaremos nossas possibilidades de desenvolvimento de tecnologia.
5. Como se associa a educação básica à questão da inserção digital?
Primeiro, rediscutindo com os educadores o papel das tecnologias da informação no cotidiano escolar. Segundo, formulando diretrizes básicas que poderão ajudar a capacitar nossos educadores para a realidade do ensino no ciberespaço. Terceiro, apostando fortemente em ferramentas colaborativas que permitam os alunos a entender a dinâmica do conhecimento e a importância de aprender. Exitem milhares de possibilidades de aprofundar a formação com os recursos da Internet. Ferramentes como twiki, rau-tu e outras devem ser colocadas à disposição de alunos e professores. Quarto, defendo colocar em uma escola de cada cidade uma "caverna digital". É uma solução de cluster de alto processamento capaz de criar um ambiente 3D desenvolvida pelo Laboratório de Sistemas Integrados da Poli-USP, dirigida pelo Prof. Zuffo. Com a "caverna digital"podemos ter um verdadeiro palnetário em cada cidade do país. Podemos ligar a criatividade do pessoal do "anima mundi" para criar conteúdo 3D para as "cavernas digitais". Ensinar com estes recursos ficará mais eletrizante e despertará a nossa vocação criativa também para a ciência e para a tecnologia.
6. Quais as prioridades que uma política pública desse gênero para o Brasil deve contemplar?
Acho que já respondi. São suas: 1) conectar todas as escolas brasileiras à Internet e formar nossos professores para o ensino-aprendizado em rede; 2) montar uma enorme rede de telecentros capaz nas áreas de pobreza do nosso país. Para isto, seria bom que a sociedade cobrasse dos candidatos a presidente da República (todos) um compromisso em liberar o FUST e de implementar software livre em todas estas escolas e telecentros. Vamos avançar um pouco nesta questão. Para colocarmos uma sala com apenas 20 computadores em 100 mil escolas brasileiras teremos que adquirir 2 milhões de computadores. No modelo de software proprietário, além de privarmos nossos técnicos ao acesso ao código-fonte daquilo que usamos, seremos obrigados a pagar no mínimo R$ 200 milhões somente pelas licenças dos softwares básicos. Para que este desperdício de recursos escassos? Por que não usar um conjunto de softwares livres que são mais seguros, abertos, estáveis e pelos quais não pagamos licenças de propriedade e nem remetemos royalties ao exterior? Somente para reforçar o poder do monopólio mundial de software para desktop? Usar software proprietário em programas de inclusão digital e educação é mais que um equívoco, além de ilógico, é um enorme desperdício. Devemos fazer como o governo do PT de Itajaí, do PMDB do Paraná ou do PFL da Bahia, ou seja, usar software livre na inclusão digital.
7. Que apoio o mercado pode dar nesse sentido?
O mercado pode apoiar em vários momentos: seja na doação de equipamentos, seja na formação de monitores e professores, seja na manutenção das escolas e telecentros. Acho que as empresas privadas poderiam dar um grande salto de qualidade na sua colaboração com a inclusão digital do país, organizando em cada associação empresarial um projeto de telecentro comunitário em uma área carente. O ideal é fazer junto com entidades da comunidade e com o Poder Local. Ao invés de cada empresa fazer uma ação pequena e muitas vezes descontínua porque não se reunir a atuar com força. Isto também é responsabilidade social.
Thursday, January 12, 2006
SOBRE INCLUSÃO DIGITAL: UMA ENTREVISTA
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1 comment:
Alô Sérgio,
Bem bacana teu blog: merece ser mais divulgado.
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ps: vou estar neste domingo em Sampa; se tiveres tempo, vamos papear (hamilton@ism.com.br).
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