Flávio Gonçalves é jornalista, integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação
Social e membro da coordenação regional do Projeto Casa Brasil. Ele escreveu o artigo abaixo para deixar claro que a inclusão digital deveria ser uma política pública. O mercado não irá incluir as pessoas no mundo digital. O mercado gera exclusões múltiplas, ele integra milhões de pessoas como excluídos permanentes dos benefícios da riqueza produzida. O mercado capitalista, até hoje, não conseguiu nem ao menos alfabetizar todos os brasileiros.
Encontrei Flávio, em Vitória, na semana passada. Participamos do Seminário Internacional A Constituição do Comum: Comunicação e Cultura na Cidade. Pedi que ele me eviasse o seu artigo para publicar aqui. Aí está.
Telecentros: o local certo da inclusão digital
Flavio Goncalves
flasg@ig.com.br
Recentes afirmações a respeito da inclusão digital no país valorizaram o
papel desempenhado pelos locais de acesso pago, conhecidos como lan
houses. Para os que defendem a inclusão digital como um processo amplo e
democrático de apropriação tecnológica, que garanta aos cidadãos o
direito à comunicação e a sua intervenção crítica e autônoma na esfera
pública infomidiática para um necessário processo de transformação do
status quo, os espaços públicos de acesso, chamados telecentros, são a
única opção.
A universalização dos direitos do cidadão, como a saúde e a educação,
exigem políticas públicas que invistam recursos em estruturas gratuitas
de acesso. Não se supõe a universalização dos direitos como oriundos
exclusivamente de estruturas privadas. Ao contrário, as entidades
defensoras desses direitos afirmam que os planos de saúde e as escolas
privadas não são capazes de garanti-la, já que reproduzem e trabalham
dentro da excludente lógica do mercado-consumidor.
A inclusão digital é um processo de apropriação das novas ferramentas
tecnológicas de informação e comunicação, de forma a permitir a
autonomia para pessoas historicamente excluídas dos seus direitos. O
telecentro é local de acesso ao conhecimento, cultura, educação,
formação, entretenimento, compressão crítica da realidade e produção de
comunicação comunitária. A gestão valoriza a democracia participativa
deste espaço, que é público, incentivando a participação direta dos
cidadãos enquanto agentes políticos. Portanto, o telecentro é um local
de busca, valorização e promoção da democracia e da cidadania.
Por isso não é possível a comparação entre um telecentro e uma lan
house. São espaços conceitualmente diferentes quanto aos seus objetivos
e práticas. Muito menos é possível afirmar, como recentemente o fizeram,
que "são as lan houses que estão, de fato, fazendo a inclusão digital
neste país". Pode-se afirmar que esses espaços estão oferecendo acesso
ao computador e a Internet para uma parcela da população, mas com um
viés muito restrito diante das possibilidades da tecnologia e com uma
limitação também de público, nesse caso chamado de "consumidor". Não há
nenhuma perspectiva crítica, libertadora ou transformadora no interior
de uma lan house. Pelo contrário, ali se reproduz, na sua essência, a
relação excludente e individualista do "usa quem pode pagar".
Um telecentro precisa ter um projeto político-pedagógico. É através de
um processo de construção coletiva que serão definidas atividades, como
oficinas de jornalismo comunitário, software livre, direito à
comunicação, governo eletrônico, radioweb, pedagogia de Paulo Freire,
economia solidária, entre outras que ao longo do tempo são realizadas
com o objetivo de apresentar o potencial transformador da tecnologia e
sua relação com o nosso cotidiano, respeitando e dialogando com a
realidade e com as características de cada comunidade.
Diversos projetos dos poderes públicos já foram implementados em todo
Brasil e outros estão em andamento. Há um longo e complexo debate acerca
de todos os assuntos no que diz respeito a implementação, manutenção,
infra-estrutura, conexão, gestão, recursos humanos, capacitação e
financiamento de telecentros públicos. Deve-se, com base nessas
experiências, realizar um amplo debate que reúna os atores estatais
envolvidos, garantida a participação de entidades da sociedade,
avaliando essas iniciativas para assim pactuarmos os parâmetros e
práticas de uma política pública de inclusão digital para o país.
Dados do IBGE e do Comitê Gestor da Internet no Brasil (2006) indicam
números importantes sobre os locais onde a população brasileira tem
acesso a rede. Segundo a pesquisa, apenas 33,3% da população já
acessaram, ao menos uma vez, a Internet. Desse total, 40,4% acessam da
própria casa e outros 16,1% da casa de um amigo/familiar; 24,4% do local
de trabalho; a escola é o local de acesso para 15,5%. Os locais de
acesso pago (lan house) são a opção para 30,1% e centrais públicas de
acesso (telecentro) para 3,5%.
A maior parte da população brasileira não possui renda suficiente para a
aquisição de computadores (apesar do relativo sucesso do importante
programa federal de incentivo) e para o alto custo de uma conexão banda
larga (média de R$ 70,00 mensais); temos, portanto, uma limitação
estrutural que é relevante do ponto de vista quantitativo. O mesmo
ocorre com a limitação do público que pode acessar através de uma lan
house. Para um cidadão que pretende ficar em média 2 horas por dia
conectado, o que não é muito para a média nacional dos já incluídos, ao
final de um mês ele terá que desembolsar cerca de R$ 60,00. Isso
equivale a 15% de um salário mínimo, atualmente em R$ 380,00.
Aproximadamente 10% da população economicamente ativa brasileira está
desempregada e 2 em cada 3 dos (das) trabalhadores (as) empregados
recebem até 2 salários mínimos. Por isso, as lan houses apresentam uma
enorme limitação para, de fato, universalizar o chamado acesso simples.
E mais: só existirão lan houses onde é possível haver retorno financeiro
e onde há conexão banda larga disponível. Um grande complexo
habitacional miserável, habitado por milhares de pessoas de baixa renda,
receberá o número de lan houses compatível com o mercado consumidor em
potencial do local. Portanto, independentemente de existirem 50 mil
pessoas, o número de lan houses possíveis será definida a partir de um
cálculo matemático que ao final garanta a rentabilidade de um
investimento e não a garantia de um direito.
Não há campanhas contra as lan houses organizadas por aqueles que
desejam manter a estrutura social excludente da sociedade brasileira. O
que pode haver é a tradicional disputa de mercado entre empresas ou
microempresas na disputa pelo lucro. Dentro desse contexto estão
inseridas as lan houses. É preciso compreender que, como em qualquer
outra área da economia capitalista, existem disputas de mercado, onde os
maiores ou mais poderosos buscam a concentração do setor. Cabe a cada
empresário optar pela forma de inserir-se nessa disputa, sabidamente
desigual e concentradora.
O que está na ordem do dia no país é a necessidade de uma política
pública para a área da inclusão digital que dê conta de interligar as
ações e iniciativas de governo em andamento, sejam elas federais,
estaduais e municipais e, fundamentalmente, ampliar os investimentos
para aumentar sensivelmente a escala dos projetos públicos de inclusão
digital. Essa política pública precisa ter como objetivos um plano
nacional de universalização de banda larga, a capacitação contínua, o
incentivo à comunicação comunitária, a existência dos telecentros como
centrais públicas de comunicação, tendo em vista o potencial da
convergência tecnológica, a formação de redes para a colaboração das
produções potencializando a sua circulação e um processo contínuo de
avaliação. Os R$ 6 bilhões do Fundo Nacional de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações (FUST) podem viabilizar essa política.
A participação da sociedade nesse processo é central. A amplitude de
possibilidades, as demandas e a realidade de cada comunidade precisam
ter espaço de diálogo nos processos de elaboração, implementação,
fiscalização e avaliação da política pública nacional de inclusão
digital. Para tanto, em nível federal, estadual e municipal, é preciso
que sejam instituídas estruturas que tenham essas atribuições e que
permitam ampla participação da sociedade. Não há política pública sem a
participação democrática da população.
Não se pode aceitar o argumento de que "é caro o custo de manutenção dos
telecentros". Trata-se de retorno social e o termo correto nesse caso é
investimento público para garantia de um direito. Ao longo das últimas
décadas, os ideais neoliberais de "estado mínimo" foram implementados e
como conseqüência temos uma população desassistida em relação ao
conjunto de seus direitos sociais. O investimento em telecentros gera
empregos, contribui com a distribuição de renda nas comunidades de baixa
renda e por isso movimenta a economia local. Além disso, busca-se
legitimar a idéia de que é exclusiva da iniciativa privada a capacidade
de "investir certo, onde há retorno". Trata-se de uma visão
exclusivamente mercadológica.
Aqueles que defendem as lan houses como espaço da inclusão digital
começam agora a solicitarem linhas de financiamento público para a
abertura destes espaços, supostamente na periferia das cidades. Trata-se
de, ao invés de investimentos em estruturas públicas, a antiga prática
do financiamento privado através dos recursos públicos. Considera-se que
a inclusão digital deve ser vista como uma atividade de empreendedorismo
privado.
A adoção pelo software livre, utilizado em grande parte dos telecentros
do país, é também uma opção política e, portanto, não é uma questão de
não se realizar "pirataria". As lan houses começam a se preocupar com o
fato de utilizarem cópias não autorizadas de software proprietário
temendo as multas cabíveis. Cogitam a utilização do software livre não
como prática de construção livre e colaborativa do conhecimento, mas sim
como uma forma de sobreviverem e não serem criminalizadas, conforme
prevêem as injustas leis atuais de direito autoral.
O telecentro não é espaço de tutelação. É local para aprendizado
coletivo, criatividade, valorização da diversidade e da cidadania.
Apenas uma política pública é capaz de universalizar direitos. Cabe à
sociedade organizar-se para exigir dos governantes a efetivação, de
forma democrática, da inclusão digital. As lan houses serão apenas um
apêndice limitado desse processo necessariamente universalizante e
transformador.
Tuesday, May 29, 2007
Sunday, May 27, 2007
COMEÇA O CICLO TEMÁTICO SOBRE A RIQUEZA DAS REDES, DIA 31, NA USP.
O IEA (Instituto de Estudos Avançados da USP) está promovendo um Ciclo
Temático de debates em torno do livro "The Wealth of Networks" de Yochai
Benkler, que está disponível, inclusive, pela Internet.
O primeiro debate ocorrerá no dia
31 de maio, das 14:30 às 17:00,
no auditório Jacy Monteiro no Bloco B do IME-USP.
Solicitamos a sua atenção para a mudança do local do debate.
O tema deste primeiro evento será:
A Transição do Industrial para o Interconectado e
Exemplos de Produção Social:
Capítulos 1 e 3 do livro The Wealth of Networks, de Yochai Benkler
Farão parte da mesa os Professores Flávio Fava de Moraes (Presidente),
José Fernando Perez (debatedor), Hélio Nogueira da Cruz (debatedor) e
Imre Simon (apresentador).
Maiores detalhes sobre o primeiro debate encontram-se na página:
http://won.incubadora.fapesp.br/portal/programacao
O portal
http://won.incubadora.fapesp.br
contém muitas outras informações sobre o livro, sobre o ciclo e serve
também como um forum de debates sobre a Riqueza das Redes através do
blog que lá se encontra.
A sessão será transmitida ao vivo pela Internet no localizador:
http://www.iea.usp.br/aovivo
e perguntas poderão ser formuladas, durante a sessão, pela Internet:
iea@usp.br
Inscrições são bem-vindas pelo e-mail clauregi@usp.br e havendo lugares
disponíveis, não inscritos também serão admitidos.
Temático de debates em torno do livro "The Wealth of Networks" de Yochai
Benkler, que está disponível, inclusive, pela Internet.
O primeiro debate ocorrerá no dia
31 de maio, das 14:30 às 17:00,
no auditório Jacy Monteiro no Bloco B do IME-USP.
Solicitamos a sua atenção para a mudança do local do debate.
O tema deste primeiro evento será:
A Transição do Industrial para o Interconectado e
Exemplos de Produção Social:
Capítulos 1 e 3 do livro The Wealth of Networks, de Yochai Benkler
Farão parte da mesa os Professores Flávio Fava de Moraes (Presidente),
José Fernando Perez (debatedor), Hélio Nogueira da Cruz (debatedor) e
Imre Simon (apresentador).
Maiores detalhes sobre o primeiro debate encontram-se na página:
http://won.incubadora.fapesp.br/portal/programacao
O portal
http://won.incubadora.fapesp.br
contém muitas outras informações sobre o livro, sobre o ciclo e serve
também como um forum de debates sobre a Riqueza das Redes através do
blog que lá se encontra.
A sessão será transmitida ao vivo pela Internet no localizador:
http://www.iea.usp.br/aovivo
e perguntas poderão ser formuladas, durante a sessão, pela Internet:
iea@usp.br
Inscrições são bem-vindas pelo e-mail clauregi@usp.br e havendo lugares
disponíveis, não inscritos também serão admitidos.
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Tuesday, May 22, 2007
PROJETO QUER CRIMINALIZAR A LIBERDADE E O COMPARTILHAMENTO NA REDE
Estamos novamente correndo um grave risco. Forças autoritárias, defensores de velhos modelos de negócios de mega-corporações, interesses ambíguos, podem colocar em risco a inovação, o compartilhamento, a criatividade e a liberdade na rede. A comissão de Justiça do Senado irá apreciar o Substitutivo apresentado pelo Senador Eduardo Azeredo chamado PLS 76/2000 reuniu os projetos do Deputado Luiz Piauhylino (PLC 89, de 2003), do Senador Renan Calheiros (PLS 76, de 2000) e o do Senador Leomar Quintanilha (PLS 137, de 2000).
O que o projeto quer? Segundo a própria cartilha do Senador Eduardo Azeredo, o Projeto de Lei quer "tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra rede de computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares".
O que o Senador entende como "praticas contra a rede de computadores"?
Por acaso, paralisar pacotes de Voz sobre IP está tipificado como crime? Não!
Invadir os computadores das pessoas com mecanismos de DRM será considerado crime? Não!
Impedir que eu abra um site de interesse público, porque o gestor público desenhou o site somente para abrir em um navegador do monopólio de software básico, será considerado crime ou prática ilegal? Não!
Barrar a liberdade de navegação das pessoas com bloqueios indevidos indevidos de rede será considerado um ataque a cidadania? Não!
Identificar os internautas, sem sua autorização, para vigiá-lo e conhecer suas práticas de navegação na rede será considerado um grave crime ao direito a privacidade? Não!
Invadir a caixa de e-mails dos funcionários será considerado um grave crime cometido pela empresa? Uma vez que nenhuma empresas está acima dos direitos e garantias individuais garantidos na Constituição? Não!
Sabe por que não? Porque a grande precocupação dos assessores do Senador não é garantir a liberdade, o anonimato e as múltiplas identidades que o ciberespaço até hoje assegurou.
O que preocupa o Senador é asssegurar a vigilância, o controle e os negócios do copyright.Em sua hierarquia de direitos, os direitos de propriedade intelectual podem matar o desenvolvimento do comum, do P2P e as iniciativas inovadoras que caracterizam a cultura da rede.
Veja um trecho do que o projeto propõe sobre o que considera "Acesso não autorizado a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado":
"Art. 154-A. Acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, permite, facilita ou fornece a terceiro meio não autorizado de acesso a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.
§ 2º Somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos, agências, fundações, autarquias, empresas públicas ou sociedade de economia mista e suas subsidiárias.
§ 3º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática de acesso.
§ 4º Não há crime quando o agente acessa a título de defesa digital, excetuado o desvio de finalidade ou o excesso.
Repare que na proposta acima, o § 1º criminaliza a montagem de municípios digitais e redes wireless livres de acesso à Internet. Por que? Por que se alguém usar aquela rede aberta para acessar sem autorização qualquer rede lógica, ela poderá estar sendo acusada "de fornecer a terceiro meio não autorizado" a um "dispositivo de comunicação ou sistema informatizado".
Observe que o projeto do Senador quer destruir o anonimato na rede. Quer destruir o direito do cidadão não ser importunado, nem identificado na sua nevegação. Com essa lei aprovada, os provedores de acesso irão exigir a identificação de todos os usuários exatamente para fugir da possibilidade de acusação de facilitadores de práticas criminosas. Por exemplo, estou escrevendo este texto da Faculdade da Educação da UFBA, em Salvador. Graças ao trabalho do professor Nelson Pretto, a rede aqui é aberta. Pluguei meu computador e acessei meu blog. O provedor não me pediu nome, endereço, RG, entre outros identificadores. Isto é fundamental. Pois ganhamos não só liberdade, como agilidade.
A proposta do Senador vai gerar nos provedores de acesso uma vigilância total sobre todos os pacotes de dados das redes P2P, BitTorrent, emule, entre outras práticas de compartilhamento de arquivos. O motivo? Se o provedor não olhar os pacotes ele poderá ser acusado de não cumprir a obrigação de informar a autoridade policial de um possível crime de pirataria.
Absurdo. "A criança está sendo jogada fora junto com a água suja do banho". O Senador quer implantar o que o jurista Lawrence Lessig denominou "cultura da permissão". A Internet cresceu até hoje e permitiu construirmos o maior repositório de informações da humanidade exatamente porque o seu fundamento foi a cultura da liberdade, a cultura livre.
A Lei de crimes digitais deve criminalizar os verdadeiros criminosos e não transformar pessoas comuns e as comunidades de compartilhamento do conhecimento em bando e quadrilha. Precisamos de uma lei de cidadania digital, que defina quais direitos, liberdades e deveres queremos. Este ímpeto de tornar jovens que trocam músicas ou sobem arquivos para o youtube em terroristas não atingirá sua finalidade. Mas qual mesmo é a finalidade da Lei do Senador? Quem eles quer atingir? Quem ele quer proteger?
O que o projeto quer? Segundo a própria cartilha do Senador Eduardo Azeredo, o Projeto de Lei quer "tipificar condutas realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, de rede de computadores, ou que sejam praticadas contra rede de computadores, dispositivos de comunicação ou sistemas informatizados e similares".
O que o Senador entende como "praticas contra a rede de computadores"?
Por acaso, paralisar pacotes de Voz sobre IP está tipificado como crime? Não!
Invadir os computadores das pessoas com mecanismos de DRM será considerado crime? Não!
Impedir que eu abra um site de interesse público, porque o gestor público desenhou o site somente para abrir em um navegador do monopólio de software básico, será considerado crime ou prática ilegal? Não!
Barrar a liberdade de navegação das pessoas com bloqueios indevidos indevidos de rede será considerado um ataque a cidadania? Não!
Identificar os internautas, sem sua autorização, para vigiá-lo e conhecer suas práticas de navegação na rede será considerado um grave crime ao direito a privacidade? Não!
Invadir a caixa de e-mails dos funcionários será considerado um grave crime cometido pela empresa? Uma vez que nenhuma empresas está acima dos direitos e garantias individuais garantidos na Constituição? Não!
Sabe por que não? Porque a grande precocupação dos assessores do Senador não é garantir a liberdade, o anonimato e as múltiplas identidades que o ciberespaço até hoje assegurou.
O que preocupa o Senador é asssegurar a vigilância, o controle e os negócios do copyright.Em sua hierarquia de direitos, os direitos de propriedade intelectual podem matar o desenvolvimento do comum, do P2P e as iniciativas inovadoras que caracterizam a cultura da rede.
Veja um trecho do que o projeto propõe sobre o que considera "Acesso não autorizado a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado":
"Art. 154-A. Acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, permite, facilita ou fornece a terceiro meio não autorizado de acesso a rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.
§ 2º Somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos, agências, fundações, autarquias, empresas públicas ou sociedade de economia mista e suas subsidiárias.
§ 3º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática de acesso.
§ 4º Não há crime quando o agente acessa a título de defesa digital, excetuado o desvio de finalidade ou o excesso.
Repare que na proposta acima, o § 1º criminaliza a montagem de municípios digitais e redes wireless livres de acesso à Internet. Por que? Por que se alguém usar aquela rede aberta para acessar sem autorização qualquer rede lógica, ela poderá estar sendo acusada "de fornecer a terceiro meio não autorizado" a um "dispositivo de comunicação ou sistema informatizado".
Observe que o projeto do Senador quer destruir o anonimato na rede. Quer destruir o direito do cidadão não ser importunado, nem identificado na sua nevegação. Com essa lei aprovada, os provedores de acesso irão exigir a identificação de todos os usuários exatamente para fugir da possibilidade de acusação de facilitadores de práticas criminosas. Por exemplo, estou escrevendo este texto da Faculdade da Educação da UFBA, em Salvador. Graças ao trabalho do professor Nelson Pretto, a rede aqui é aberta. Pluguei meu computador e acessei meu blog. O provedor não me pediu nome, endereço, RG, entre outros identificadores. Isto é fundamental. Pois ganhamos não só liberdade, como agilidade.
A proposta do Senador vai gerar nos provedores de acesso uma vigilância total sobre todos os pacotes de dados das redes P2P, BitTorrent, emule, entre outras práticas de compartilhamento de arquivos. O motivo? Se o provedor não olhar os pacotes ele poderá ser acusado de não cumprir a obrigação de informar a autoridade policial de um possível crime de pirataria.
Absurdo. "A criança está sendo jogada fora junto com a água suja do banho". O Senador quer implantar o que o jurista Lawrence Lessig denominou "cultura da permissão". A Internet cresceu até hoje e permitiu construirmos o maior repositório de informações da humanidade exatamente porque o seu fundamento foi a cultura da liberdade, a cultura livre.
A Lei de crimes digitais deve criminalizar os verdadeiros criminosos e não transformar pessoas comuns e as comunidades de compartilhamento do conhecimento em bando e quadrilha. Precisamos de uma lei de cidadania digital, que defina quais direitos, liberdades e deveres queremos. Este ímpeto de tornar jovens que trocam músicas ou sobem arquivos para o youtube em terroristas não atingirá sua finalidade. Mas qual mesmo é a finalidade da Lei do Senador? Quem eles quer atingir? Quem ele quer proteger?
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PLS 76/2000
Friday, May 18, 2007
ECONOMIA DA INFORMAÇÃO E PADRÕES
O professor Lawrence Lessig escreveu que no ciberespaço "Code is Law". As arquiteturas de informação e os códigos podem limitar ou expandir as possibilidades de comunicação e a liberdade das pessoas. No ambiente informacional, os padrões e protocolos também trazem esta condição.
Para quem quer entender mais profundamente a importância dos padrões na era informacional, sugiro a leitura do livro A ECONOMIA DA INFORMAÇÃO de Carl Shapiro e Hal R. Varian, publicado no Brasil pela Editora Campus. Considero fundamental a leitura dos capítulos: ADMINISTRANDO O APRISIONAMENTO; COOPERAÇÃO E COMPATIBILIDADE; TRAVANDO UMA GUERRA DE PADRÕES.
Para quem quer entender mais profundamente a importância dos padrões na era informacional, sugiro a leitura do livro A ECONOMIA DA INFORMAÇÃO de Carl Shapiro e Hal R. Varian, publicado no Brasil pela Editora Campus. Considero fundamental a leitura dos capítulos: ADMINISTRANDO O APRISIONAMENTO; COOPERAÇÃO E COMPATIBILIDADE; TRAVANDO UMA GUERRA DE PADRÕES.
Wednesday, May 16, 2007
ALERTA: ABNT ESTÁ PRESTES A APROVAR PADRÃO DEFENDIDO PELA MICRO$OFT.
Uma guerra está em curso e o seu resultado influenciará milhões de pessoas. Trata-se de uma guerra de padrões. Governos de todo o mundo estão aprovando a preferência pelo uso de formatos abertos para trocar informações e textos. Assim, uma série de instituições passaram a adotar o formato ODF (Open Document Format) para escrever documentos.
Quando temos um padrão aberto o maior beneficiário é a sociedade, pois o texto digitado poderá ser lido independente do software usado para a sua leitura. Ou seja, o padrão aberto permite que as pessoas tenham comunicabilidade total e interoperabilidade plena na troca de documentos. Também permite que tenhamos competição dentro de um padrão. Quanto maior a competição entre os softwares editores de textos, melhor para a sociedade, melhor para os consumidores.
Quem é contra o padrão aberto?
O monopólio mundial de software para desktop. A micro$oft quer impedir que os governos e as empresas passem a adotar o padrão ODF. Como percebeu que não pode combater a idéia de padrão aberto, decidiu conturbar o processo e distorcer o significado do que é um padrão aberto.
A micro$oft abandonou o consórcio que define o padrão ODF e propôs apoiar um outro padrão chamado OpenXML, da ECMA. Este padrão é uma colcha de retalhos aberta, mas muitos de seus componentes são fechados e patenteados.
Como sua estratégia está sendo bombardeada na Europa, a micro$oft quer tentar aprovar seu padrão no Brasil. Depois querem transformar o Brasil em exemplo para influenciar os demais países do mundo. Como pretendem fazer isto? Através da ABNT. A m$ criou um grupo de trabalho na ABNT, financiado por ela com o objetivo de aprovar o OpenXML como um padrão aberto.
A m$ está alocando funcionários e empresas aliadas para participar e controlar este grupo. Tal prática da m$ é bastante conhecida. Basta lembrar que o Chefe de Gabinete da Presidência do Serpro, em 2004, saiu da empresa pública diretamente para integrar os quadros da m$ em Brasília. O objetivo era paralisar o uso de software livre pelo governo federal. Este fato não ocorreria no mercado financeiro, pois lá existe a exigência de quarentena.
Fazer lobby é uma especialidade da empresa que tem recursos sobrando para tal. Por isso, antes que a ABNT, cometa um erro que custará muito caro ao Brasil, alerto a todos que defendem a liberdade de criação e conhecimento que se juntem para denunciar esta tentativa absurda de anular o padrão aberto ODF.
O padrão ODF é livre. Todos os seus componentes são abertos. Ele é de fácil implementação e pode ser usado por qualquer empresa, sem impedimentos nem necessidade de pagamento de royalties.
O padrão OpenXML é composto de vários componentes patenteados ou de propriedade de empresas privadas. É absurdamente complexo, tem mais de 5 mil páginas. Sua adoção não dará nenhuma garantia jurídica e nem permitirá que a evolução de cada componente do padrão seja pública e aberta.
Vamos barrar a tentativa do monopólio mundial de software para desktop de usar o órgão brasileiro de normas técnicas para expandir o seu monopólio de algoritmos.
Escreva para a ABNT
Denuncie a manobra monopolista da m$
Envie um representante da sua empresa ou entidade para participar do grupo da ABNT.
Quando temos um padrão aberto o maior beneficiário é a sociedade, pois o texto digitado poderá ser lido independente do software usado para a sua leitura. Ou seja, o padrão aberto permite que as pessoas tenham comunicabilidade total e interoperabilidade plena na troca de documentos. Também permite que tenhamos competição dentro de um padrão. Quanto maior a competição entre os softwares editores de textos, melhor para a sociedade, melhor para os consumidores.
Quem é contra o padrão aberto?
O monopólio mundial de software para desktop. A micro$oft quer impedir que os governos e as empresas passem a adotar o padrão ODF. Como percebeu que não pode combater a idéia de padrão aberto, decidiu conturbar o processo e distorcer o significado do que é um padrão aberto.
A micro$oft abandonou o consórcio que define o padrão ODF e propôs apoiar um outro padrão chamado OpenXML, da ECMA. Este padrão é uma colcha de retalhos aberta, mas muitos de seus componentes são fechados e patenteados.
Como sua estratégia está sendo bombardeada na Europa, a micro$oft quer tentar aprovar seu padrão no Brasil. Depois querem transformar o Brasil em exemplo para influenciar os demais países do mundo. Como pretendem fazer isto? Através da ABNT. A m$ criou um grupo de trabalho na ABNT, financiado por ela com o objetivo de aprovar o OpenXML como um padrão aberto.
A m$ está alocando funcionários e empresas aliadas para participar e controlar este grupo. Tal prática da m$ é bastante conhecida. Basta lembrar que o Chefe de Gabinete da Presidência do Serpro, em 2004, saiu da empresa pública diretamente para integrar os quadros da m$ em Brasília. O objetivo era paralisar o uso de software livre pelo governo federal. Este fato não ocorreria no mercado financeiro, pois lá existe a exigência de quarentena.
Fazer lobby é uma especialidade da empresa que tem recursos sobrando para tal. Por isso, antes que a ABNT, cometa um erro que custará muito caro ao Brasil, alerto a todos que defendem a liberdade de criação e conhecimento que se juntem para denunciar esta tentativa absurda de anular o padrão aberto ODF.
O padrão ODF é livre. Todos os seus componentes são abertos. Ele é de fácil implementação e pode ser usado por qualquer empresa, sem impedimentos nem necessidade de pagamento de royalties.
O padrão OpenXML é composto de vários componentes patenteados ou de propriedade de empresas privadas. É absurdamente complexo, tem mais de 5 mil páginas. Sua adoção não dará nenhuma garantia jurídica e nem permitirá que a evolução de cada componente do padrão seja pública e aberta.
Vamos barrar a tentativa do monopólio mundial de software para desktop de usar o órgão brasileiro de normas técnicas para expandir o seu monopólio de algoritmos.
Escreva para a ABNT
Denuncie a manobra monopolista da m$
Envie um representante da sua empresa ou entidade para participar do grupo da ABNT.
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padrão aberto
Monday, May 14, 2007
COMPUTADORES PODEM MUDAR A EDUCAÇÃO?
O artigo abaixo foi publicado no Gazeta Mercantil, de hoje, dia 14 de maio, na página 3. Trata do potencial que o XO pode ter para melhorar a Educação.
COMPUTADORES PODEM MUDAR A EDUCAÇÃO?
Sergio Amadeu da Silveira
Há algum tempo fiquei sabendo que uma importante escola da classe média paulistana havia proibido seus alunos de entregarem trabalhos digitados no computador. Os adolescentes tinham que escrever tudo a mão. Com isso, a escola queria evitar o “recorta e cola”, o plágio nos trabalhos escolares. Por mais nobre que tenha sido a intenção, a medida adotada além de não resolver o problema da cópia, agora dificulta a ação dos professores interessados em descobrir os trechos usados sem a devida citação das fontes.
Como professor universitário, leio muitos trabalhos e acabo usando o google e o yahoo para checar na rede os trechos que considero plagiados. Os buscadores acabam infalivelmente me mostrando a fonte da cópia. O mesmo “recorte e cola” usado pelo aluno pode ser usado pelo professor. Este recurso da busca foi retirado dos educadores daquela escola paulistana, exceto se eles ficarem digitando os trechos dos trabalhos escritos a mão. O mais interessante é que a direção daquela escola desconsiderou o fato dos alunos copiarem a mão os conteúdos presentes na web, como se copia uma enciclopédia impressa.
Citei este fato para mostrar que para muitos educadores, a rede mundial de computadores é vista como um empecilho ao processo educativo. Ao invés de usarem os enormes recursos da Internet para ampliar as possibilidade de aprendizado, para acelerar o desenvolvimento cognitivo, para demonstrar aos jovens como se encontra, organiza e se dissemina a informação, alguns educadores preferem ver na rede a raiz da falta de ética. Será que estes educadores esqueceram que a famosa “cola” não nasceu na era da informação? Será que nunca tiveram um professor no primeiro grau que orientava os alunos a fazer trabalhos copiando verbetes de enciclopédia? Antes da Internet, tudo isto era entendido como fato normal.
Todos sabem que o nosso sistema educacional está muito ruim. É preciso reconfigurá-lo. A rede informacional pode auxiliar muito na realização das mudanças necessárias. Duas delas são urgentes. A primeira é superar o ensino e aprendizado baseado na hierarquia, no autoritarismo e no argumento da autoridade. A segunda é entender que, na sociedade da informação, a ética é parte integrante da educação, em todos os níveis.
Estas duas mudanças podem ter na rede informacional os elementos de apoio e os instrumentos de implementação. Os computadores não mudam a educação, mas podem ser ferramentas estratégicas. O processo de mudança deve começar pela mera constatação de que nossa mente pensa por associação, como escreveu Vannevar Bush, em 1945. As redes permitem aprender mais rapidamente exatamente por permitir as múltiplas associações e as recombinações de conteúdo. Tal como no cérebro humano, a rede permite interatividade entre pontos distintos, permite compor conteúdos novos a partir da fusão, da remixagem e das práticas recombinates. Para isso, os educadores tem que superar o mito de que o saber e o conhecimento estão prontos e que eles são os seus porta-vozes. É preciso incentivar o ensino exploração, onde o professor é também um explorador, apenas mais experiente, de novos territórios.
Copiar e recopiar nunca foi um problema para a educação. Aprendemos nossa língua imitando, copiando. Aprendemos a usar o alfabeto copiando várias vezes até adquirirmos a autonomia recombinante. Nesse sentido, não é a cópia e a remixagem que tanto preocupou os educadores daquela escola paulistana que deve ser combatida. O que falta naquela escola e em tantas outras é o debate sobre a ética. Uma ação sobre ética que supere o simples ditar das regras e promoção de ameaças. Tenho falado aos meus alunos que não vejo problema se eles quiserem copiar todo o trabalho escolar de vários sites e remontá-lo em um texto coerente. O problema aparecerá se eles quiserem omitir as fontes e deixar de colocar aspas em declarações que não foram escritas por eles, se eles tentarem mentir e enganar. Muitos alunos acabam percebendo que o trabalho de recombinar pedaços de vários sites de modo correto e coerente, exige leitura, atenção e muitas vezes é mais difícil do que escrever um texto com somente aquilo que seu cérebro já havia copiado e recombinado. A ética é necessária para o avanço da ciência e para a história. Esclarecer quem foi a fonte de um texto copiado é fundamental para manter a verdade histórica e para permitir que outros usem de outra forma aquele mesmo texto. A ciência avança acumulando conhecimento, copiando e recombinando o conhecimentos anteriormente acumulado.
Os computadores, podem ajudar a acelerar estas mudanças de um ensino vertical-autoritário e desestimulante para um processo de ensino e aprendizagem baseado nas redes, na liberdade recombinante e de exploração de culturas e conteúdos. Por isso, considero que devemos apoiar decisivamente a introdução nas escolas do OLPC XO , também conhecido como laptop de 100 dólares. Como deixa claro a professora Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), da UFRGS, “o XO é a máquina das crianças, porque são elas que programam. E o XO cria um ambiente natural de expressão da comunicação. Tem a câmera fotográfica, os fones, as crianças se comunicam conversando na tela. Conectam-se pela internet wireless. Além disso, tem uma coisa maravilhosa, que é a rede Mesh. Quando eu uso a internet nos PCs tradicionais, a comunicação e a interação ficam forçadas.”
Léa Fagundes, educadora experiente e premiada no mundo todo, sabe que “se o governo brasileiro comprar 1 milhão de equipamentos, teremos que treinar 40 mil professores da rede pública em menos de um ano”. Este é o processo necessário para revolucionar a educação. Sem o XO nas mãos das crianças a inércia continuará a tomar conta das nossas escolas. Léa também alerta-nos que “o XO não é um PC. Eles inventaram um novo computador, feito só para educação. É a máquina das crianças.” Estas frases da Léa foram retiradas da entrevista que deu à Verônica Couto da Revista A Rede.
Por fim, é importante dizer a razão porque alguns grupos somente interessados em vender computadores, aliados ao monopólio mundial de software para desktop, estão tentando evitar que o governo utilize o XO nas escolas. Para isto até inventaram que querem um hardware completamente nacional. Só esqueceram que o processador, o HD e demais componentes importantes, infelizmente, não são fabricados no Brasil. Engraçado estes senhores não quererem o mesmo para os softwares. Os softwares podem ser do monopólio norte-americano. Estranhos argumentos, mas coerentes. Um quer vender o hardware que monta no país e outro quer continuar a ser monopólio de software básico. Nós educadores queremos outra coisa: autonomia tecnológica e um ensino-aprendizagem voltado para a liberdade, para a criatividade e para despertar nos jovens a permanente vontade de conhecer. Autonomia tecnológica se faz com software livre e com arquitetura aberta de hardware.
COMPUTADORES PODEM MUDAR A EDUCAÇÃO?
Sergio Amadeu da Silveira
Há algum tempo fiquei sabendo que uma importante escola da classe média paulistana havia proibido seus alunos de entregarem trabalhos digitados no computador. Os adolescentes tinham que escrever tudo a mão. Com isso, a escola queria evitar o “recorta e cola”, o plágio nos trabalhos escolares. Por mais nobre que tenha sido a intenção, a medida adotada além de não resolver o problema da cópia, agora dificulta a ação dos professores interessados em descobrir os trechos usados sem a devida citação das fontes.
Como professor universitário, leio muitos trabalhos e acabo usando o google e o yahoo para checar na rede os trechos que considero plagiados. Os buscadores acabam infalivelmente me mostrando a fonte da cópia. O mesmo “recorte e cola” usado pelo aluno pode ser usado pelo professor. Este recurso da busca foi retirado dos educadores daquela escola paulistana, exceto se eles ficarem digitando os trechos dos trabalhos escritos a mão. O mais interessante é que a direção daquela escola desconsiderou o fato dos alunos copiarem a mão os conteúdos presentes na web, como se copia uma enciclopédia impressa.
Citei este fato para mostrar que para muitos educadores, a rede mundial de computadores é vista como um empecilho ao processo educativo. Ao invés de usarem os enormes recursos da Internet para ampliar as possibilidade de aprendizado, para acelerar o desenvolvimento cognitivo, para demonstrar aos jovens como se encontra, organiza e se dissemina a informação, alguns educadores preferem ver na rede a raiz da falta de ética. Será que estes educadores esqueceram que a famosa “cola” não nasceu na era da informação? Será que nunca tiveram um professor no primeiro grau que orientava os alunos a fazer trabalhos copiando verbetes de enciclopédia? Antes da Internet, tudo isto era entendido como fato normal.
Todos sabem que o nosso sistema educacional está muito ruim. É preciso reconfigurá-lo. A rede informacional pode auxiliar muito na realização das mudanças necessárias. Duas delas são urgentes. A primeira é superar o ensino e aprendizado baseado na hierarquia, no autoritarismo e no argumento da autoridade. A segunda é entender que, na sociedade da informação, a ética é parte integrante da educação, em todos os níveis.
Estas duas mudanças podem ter na rede informacional os elementos de apoio e os instrumentos de implementação. Os computadores não mudam a educação, mas podem ser ferramentas estratégicas. O processo de mudança deve começar pela mera constatação de que nossa mente pensa por associação, como escreveu Vannevar Bush, em 1945. As redes permitem aprender mais rapidamente exatamente por permitir as múltiplas associações e as recombinações de conteúdo. Tal como no cérebro humano, a rede permite interatividade entre pontos distintos, permite compor conteúdos novos a partir da fusão, da remixagem e das práticas recombinates. Para isso, os educadores tem que superar o mito de que o saber e o conhecimento estão prontos e que eles são os seus porta-vozes. É preciso incentivar o ensino exploração, onde o professor é também um explorador, apenas mais experiente, de novos territórios.
Copiar e recopiar nunca foi um problema para a educação. Aprendemos nossa língua imitando, copiando. Aprendemos a usar o alfabeto copiando várias vezes até adquirirmos a autonomia recombinante. Nesse sentido, não é a cópia e a remixagem que tanto preocupou os educadores daquela escola paulistana que deve ser combatida. O que falta naquela escola e em tantas outras é o debate sobre a ética. Uma ação sobre ética que supere o simples ditar das regras e promoção de ameaças. Tenho falado aos meus alunos que não vejo problema se eles quiserem copiar todo o trabalho escolar de vários sites e remontá-lo em um texto coerente. O problema aparecerá se eles quiserem omitir as fontes e deixar de colocar aspas em declarações que não foram escritas por eles, se eles tentarem mentir e enganar. Muitos alunos acabam percebendo que o trabalho de recombinar pedaços de vários sites de modo correto e coerente, exige leitura, atenção e muitas vezes é mais difícil do que escrever um texto com somente aquilo que seu cérebro já havia copiado e recombinado. A ética é necessária para o avanço da ciência e para a história. Esclarecer quem foi a fonte de um texto copiado é fundamental para manter a verdade histórica e para permitir que outros usem de outra forma aquele mesmo texto. A ciência avança acumulando conhecimento, copiando e recombinando o conhecimentos anteriormente acumulado.
Os computadores, podem ajudar a acelerar estas mudanças de um ensino vertical-autoritário e desestimulante para um processo de ensino e aprendizagem baseado nas redes, na liberdade recombinante e de exploração de culturas e conteúdos. Por isso, considero que devemos apoiar decisivamente a introdução nas escolas do OLPC XO , também conhecido como laptop de 100 dólares. Como deixa claro a professora Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), da UFRGS, “o XO é a máquina das crianças, porque são elas que programam. E o XO cria um ambiente natural de expressão da comunicação. Tem a câmera fotográfica, os fones, as crianças se comunicam conversando na tela. Conectam-se pela internet wireless. Além disso, tem uma coisa maravilhosa, que é a rede Mesh. Quando eu uso a internet nos PCs tradicionais, a comunicação e a interação ficam forçadas.”
Léa Fagundes, educadora experiente e premiada no mundo todo, sabe que “se o governo brasileiro comprar 1 milhão de equipamentos, teremos que treinar 40 mil professores da rede pública em menos de um ano”. Este é o processo necessário para revolucionar a educação. Sem o XO nas mãos das crianças a inércia continuará a tomar conta das nossas escolas. Léa também alerta-nos que “o XO não é um PC. Eles inventaram um novo computador, feito só para educação. É a máquina das crianças.” Estas frases da Léa foram retiradas da entrevista que deu à Verônica Couto da Revista A Rede.
Por fim, é importante dizer a razão porque alguns grupos somente interessados em vender computadores, aliados ao monopólio mundial de software para desktop, estão tentando evitar que o governo utilize o XO nas escolas. Para isto até inventaram que querem um hardware completamente nacional. Só esqueceram que o processador, o HD e demais componentes importantes, infelizmente, não são fabricados no Brasil. Engraçado estes senhores não quererem o mesmo para os softwares. Os softwares podem ser do monopólio norte-americano. Estranhos argumentos, mas coerentes. Um quer vender o hardware que monta no país e outro quer continuar a ser monopólio de software básico. Nós educadores queremos outra coisa: autonomia tecnológica e um ensino-aprendizagem voltado para a liberdade, para a criatividade e para despertar nos jovens a permanente vontade de conhecer. Autonomia tecnológica se faz com software livre e com arquitetura aberta de hardware.
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Sunday, May 13, 2007
III SEMANA DE SOFTWARE LIVRE NA FACED
A III Semana de Software Livre da FACED (Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia) acontecerá entre os dias 22 e 25 de maio. Nelson Pretto, diretor da Faced, usuário e defensor do software livre, abrirá a semana junto comigo. Falaremos sobre Software Livre e Cidadania Digital.
Imperdível. A semana será de altíssimo nível. Contará com as presenças de André Lemos, Pedro Rezende, Maria Helena Bonilla, entre outros.
Friday, May 11, 2007
MEMEFEST: O FESTIVAL MUNDIAL DA COMUNICAÇÃO RADICAL
As inscrições para o MEMEFEST encerram-se no dia 20 de maio. Se você não conhece o MEMEFEST vale a pena visitar o site http://brasil.memefest.org/.
O texto abaixo foi retirado do site do MEMEFEST e explica o festival. Neste ano, serei um dos jurados brasileiros:
Memefest, o Festival Internacional de Comunicação Radical - nascido na Eslovênia e rapidamente atingindo uma massa crítica no mundo inteiro - orgulha-se em anunciar sua sexta competição anual.
Mais uma vez, o Memefest está incentivando estudantes, escritores, artistas, designers, pensadores, filósofos e contra-culturalistas a inscrever seus trabalhos ao nosso painel de jurados renomados. Neste ano temos como membros do juri P.K. Langshaw, Professora Catedrática e Associada Departmento de Design e Arte em Computação da Concordia University, em Montreal, Quebec; Jason Grant, Diretor do Inkahoots (http://www.inkahoots.com.au), o ousado estúdio de design gráfico em Brisbane, Australia; Luli Radfahrer, Professor na Escola de Comunicações e Artes da USP, em São Paulo, Brasil, e fundador da Hipermidia, uma das primeiras agências de comunicação digital neste país, e Carmen Luke, líder acadêmica internacional no campo da ensino de mídia e novas mídias, estudos feministas e globalização, baseada em Brisbane.
Tradicionalmente, a equipe do Memefest pede que os participantes respondam a opiniões expressas num texto selecionado usando a mídia apropriada para cada categoria (Comunicação e Sociologia- ambas escritas, Artes Visuais e Beyond….). Neste ano, pela primeira vez, escolhemos o mesmo texto para as categories acadêmicas e artísticas e também, diferente dos anos anteriores, quando os textos selecionados eram trechos de ensaios, ou livro, ou manifesto, o texto escolhido neste ano é um trailer do filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock , dos anos 60. Este trailer apresenta um monólogo espirituoso, cínico, bem humorado mas também obscuro e sério encenado pelo próprio diretor.
Ainda mais pertinente (para não dizer urgente) hoje do que visto gerações atrás nas salas de cinema, o comentário genial de Hitchcok sobre a relação do homem com a natureza sem dúvida irá provocar um excesso de respostas inequívocas.
E, como sempre, aqueles cujos trabalhos não se encaixam nos formatos convencionais, podem entrar na categoria Além…, em que o nome do jogo é desafiar as práticas e crenças tradicionais!
Além… continua crescendo em popularidade como uma categoria não somente por seu apelo avant-garde mas também por ser aberto a não estudantes.
O Memefest acontece completamente online no www.memefest.org, e todos os trabalhos inscritos estarão disponíveis para acesso completo e comentários nas galerias do site.
Em 2006, o Memefest recebeu quase 500 trabalhos de participantes de todos os continentes (exceto Antarctica). Esperamos crecer e espalhar mais dessas idéias infecciosas, então continue pensando e produzindo.
Prazo final para inscrições é 20 de maio de 2007.
O texto abaixo foi retirado do site do MEMEFEST e explica o festival. Neste ano, serei um dos jurados brasileiros:
Memefest, o Festival Internacional de Comunicação Radical - nascido na Eslovênia e rapidamente atingindo uma massa crítica no mundo inteiro - orgulha-se em anunciar sua sexta competição anual.
Mais uma vez, o Memefest está incentivando estudantes, escritores, artistas, designers, pensadores, filósofos e contra-culturalistas a inscrever seus trabalhos ao nosso painel de jurados renomados. Neste ano temos como membros do juri P.K. Langshaw, Professora Catedrática e Associada Departmento de Design e Arte em Computação da Concordia University, em Montreal, Quebec; Jason Grant, Diretor do Inkahoots (http://www.inkahoots.com.au), o ousado estúdio de design gráfico em Brisbane, Australia; Luli Radfahrer, Professor na Escola de Comunicações e Artes da USP, em São Paulo, Brasil, e fundador da Hipermidia, uma das primeiras agências de comunicação digital neste país, e Carmen Luke, líder acadêmica internacional no campo da ensino de mídia e novas mídias, estudos feministas e globalização, baseada em Brisbane.
Tradicionalmente, a equipe do Memefest pede que os participantes respondam a opiniões expressas num texto selecionado usando a mídia apropriada para cada categoria (Comunicação e Sociologia- ambas escritas, Artes Visuais e Beyond….). Neste ano, pela primeira vez, escolhemos o mesmo texto para as categories acadêmicas e artísticas e também, diferente dos anos anteriores, quando os textos selecionados eram trechos de ensaios, ou livro, ou manifesto, o texto escolhido neste ano é um trailer do filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock , dos anos 60. Este trailer apresenta um monólogo espirituoso, cínico, bem humorado mas também obscuro e sério encenado pelo próprio diretor.
Ainda mais pertinente (para não dizer urgente) hoje do que visto gerações atrás nas salas de cinema, o comentário genial de Hitchcok sobre a relação do homem com a natureza sem dúvida irá provocar um excesso de respostas inequívocas.
E, como sempre, aqueles cujos trabalhos não se encaixam nos formatos convencionais, podem entrar na categoria Além…, em que o nome do jogo é desafiar as práticas e crenças tradicionais!
Além… continua crescendo em popularidade como uma categoria não somente por seu apelo avant-garde mas também por ser aberto a não estudantes.
O Memefest acontece completamente online no www.memefest.org, e todos os trabalhos inscritos estarão disponíveis para acesso completo e comentários nas galerias do site.
Em 2006, o Memefest recebeu quase 500 trabalhos de participantes de todos os continentes (exceto Antarctica). Esperamos crecer e espalhar mais dessas idéias infecciosas, então continue pensando e produzindo.
Prazo final para inscrições é 20 de maio de 2007.
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Thursday, May 10, 2007
MinC INICIA DESCONFERÊNCIA SOBRE DIVERSIDADE DIGITAL
Fui convidado pelo MinC para ser o curador da Oficina Virtual sobre Cultura Digital que buscará formular um documento sobre a relação da cibercultura com a diversidade.
O texto-base, versão beta, depois de discutido e melhorado será levado ao "Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural: práticas e perspectivas", organizado pelo Ministério da Cultura em parceria com a Organização dos Estados Americanos, que ocorrerá no final de junho, em Brasília. Este seminário tratará de discutir e indicar proposições para implementar a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da UNESCO, aprovada em 20 de outubro de 2005.
A desconferência virtual ocorre a partir do blog:
http://diversidadedigital.blogspot.com
Participem. Vamos discutir os posts e o documento-base, versão beta. Podemos formular boas propostas no terreno da cultura digital.
O texto-base, versão beta, depois de discutido e melhorado será levado ao "Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural: práticas e perspectivas", organizado pelo Ministério da Cultura em parceria com a Organização dos Estados Americanos, que ocorrerá no final de junho, em Brasília. Este seminário tratará de discutir e indicar proposições para implementar a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da UNESCO, aprovada em 20 de outubro de 2005.
A desconferência virtual ocorre a partir do blog:
http://diversidadedigital.blogspot.com
Participem. Vamos discutir os posts e o documento-base, versão beta. Podemos formular boas propostas no terreno da cultura digital.
Sunday, May 06, 2007
PORQUE O OLPC XO PODE MUDAR O ENSINO.
A matéria abaixo saiu na última edição da Revista A Rede . Ela deixa claro o que está envolvido na guerra promovida pelo grupo montador de computadores (com componentes quase todos importados) chamado Positivo em aliança com a micro$oft (que quer manter-se monopólio a qualquer custo e para isso precisa que as crianças estejam vinculadas às interfaces confusas de seus produtos) contra o XO.
Educação sem camisa-de-força
13 de abril de 2007
Verônica Couto
A professora Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), da UFRGS, conta por que acredita no laptop XO para revolucionar os processos de ensino no país. Ela também está pilotando os testes com o equipamento numa escola pública de Porto Alegre.
"Essa máquina XO é tudo o que a gente sonhou, queria, e nunca conseguiu”. Quem diz é a professora Léa Fagundes, psicóloga e pedagoga, referindo-se ao laptop da ONG One Laptop per Child (OLPC). Ela coordena o Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e também o teste pedagógico que está sendo feito na Escola Estadual Luciana de Abreu, em Porto Alegre, com o XO. Foi homenageada pela Unesco, no ano passado, na categoria Informação e Comunicação, em reconhecimento ao seu método de aprendizagem para escolas públicas, baseado no uso de novas tecnologias digitais. Na mesma ocasião, a Unesco premiou, pos mortem, o educador Paulo Freire, na categoria Educação.
O equipamento da OLPC, desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology (MTI), na opinião da professora, representa “uma revolução” no processo de aprendizado. “É um computador novo, o primeiro criado para ser usado na educação”, destaca. Ou seja, não é mais a adaptação forçada, para as escolas, de um equipamento feito para escritórios — como os PCs que rodam os aplicativos do Microsoft Office (escritório, em inglês) —, e que não teriam, segundo ela, promovido nenhuma melhoria na educação. O XO resulta, explica Léa, dos estudos de Jean Piaget e Seymour Papert, sobre as formas como as pessoas (especialmente, as crianças) percebem o mundo e aprendem, e de Marvin Minsky, precursor da inteligência artificial.
Dos 400 XOs previstos para a escola de Porto Alegre, contudo, chegaram apenas cem, em janeiro, dos quais somente 50 haviam sido liberados na alfandêga, até o final de março. A coordenadora do LEC lamenta que ainda haja, no governo e na indústria, muita oposição ao projeto da OLPC. Isso acontece, argumenta Léa, porque a Intel, fabricante do equipamento concorrente, o ClassMate, estaria oferecendo um pacote completo ao país — capacitação de professores, conteúdos curriculares, logística de transporte, tudo. “O problema é que o ClassMate é um PC, não muda nada no sistema de ensino”, critica ela.
O LEC também está trabalhando em parceria com a Sociedade do Software Livre, e com programadores da UFRGS, para desenvolver atividades pedagógicas para o XO. E capacitando os professores e alunos (da sétima série) da escola selecionada para o teste, que poderão, no futuro, formar um grupo de multiplicadores desse conhecimento para novos usuários do laptop, em cursos a distância. “Se o governo brasileiro comprar 1 milhão de equipamentos, teremos que treinar 40 mil professores da rede pública em menos de um ano”, calcula.
ARede • O que se pode esperar do XO do ponto de vista pedagógico? Qual a diferença entre ele e o ClassMate e o Mobilis, outros computadores que o governo avalia para uso na educação?
Léa • A diferença começa pela natureza do equipamento. Esse XO resultou de 30 anos de pesquisa do Media Lab, o laboratório de mídias do MIT, que estuda o desenvolvimento da inteligência, os processo de aprendizado e as tecnologias.
Quando criamos o Laboratório de Psicologia Cognitiva (há 30 anos), no Instituto de Psicologia, estudávamos os problemas de aprendizado. Isso foi sempre meu desafio, saber por que as crianças pobres, das escolas públicas, não aprendiam. Das crianças com sete anos, 50% eram reprovadas na 1ª série. E, daí em diante, sempre aquele atraso, aquela baixa autoestima, os professores desanimados. E a gente explicava que era “a pobreza”, “a ignorância dos pais”, “porque são pretos, filhos de escravos, de índios”. Não é nada disso. O educador precisa saber como a criança aprende e como a inteligência se desenvolve.
ARede • Como o XO responde a essa demanda?
Léa • Esse XO é tudo o que a gente sonhou, queria e nunca conseguiu. O PC nunca foi feito para a Educação, mas para a guerra, a indústria, o comércio. Tanto que um aplicativo que todo mundo usa, é o Office, que não tem nada a ver com educação, serve para escritório – office. A gente tenta é adaptar para a educação.
Mas, repara: quando a gente tinha teatro, não tinha cinema. Quando surgiu o cinema, como foram os primeiros filmes? Teatro filmado. O homem não consegue mudar tão rápido. Não há um salto. Você tem um sistema de significação, e fica preso nele. O seu raciocínio, a sua imaginação, fica tudo preso ao condicionamento da sua experiência de vida.
Então, o que fizeram os professores quando surgiu o PC? Colocaram o software aplicativo, e reproduziram no micro o material do livro didático. No primeiro projeto brasileiro do Ministério da Educação (MEC), junto com a Secretaria de Informática, foram criados cinco centros – a UFPE, UFMG, UFRJ, Unicamp, e nós (UFRGS). Todo mundo pensou em criar conteúdo para ensinar química, física, biologia. O pessoal do Rio levou cinco anos desenvolvendo um pacote completo, com todo o conteúdo do ensino básico, para o MSX (computador). Quando terminaram, o computador tinha saído de linha, o pacote não rodava. Tiveram que refazer tudo.
Aqui na UFRGS, nossa linha foi outra. Por que usar um recurso novo para reproduzir o tradicional? Na escola onde estamos testando o XO, há salas onde os alunos estão enfileirados, caderno e livro abertos. A professora passa as questões no quadro, eles copiam no caderno, e buscam respostas no livro. E nós estamos no século 21. Antigamente, se o aluno errava, tomava palmatória. Agora, não dá palmatória, dá nota baixa, reprova. Então, passa-se o século e a educação não muda. Porque é muito penoso ter uma formação, ser condicionado por ela, e, de repente, mudar tudo. Mas, mesmo lentamente, o sistema resiste. No mundo todo, a reação é a mesma. Se a escola vai mal, os alunos vão mal, ela perde recursos, então não se arrisca a inovar.
ARede • O plano do MEC não quer vincular metas a recursos?
É. Mas quem precisa de recursos é quem está mal. Essa concepção é mundial. Está tudo errado. É preciso aprender a se desenvolver, a pensar, refletir, ser criativo. Quando a criança é bem desenvolvida, bem atendida pela família, tem ambiente para aprender, viajar, livros para ler, mãe que escuta, que conversa, a criança aprende. Mesmo que o ensino seja moderado, ela aprende, porque está se desenvolvendo.
ARede • Como o XO muda essa escola?
Léa • Primeiro, ao permitir que o aluno não use o PC. Isso é importante. O ClassMate é bonitinho, igualzinho ao PC, com Word, planilha, Power Point, navegador, é familiar, confortável. O XO não é um PC. Eles inventaram um novo computador, feito só para educação. É a máquina das crianças.
O XO é a máquina das crianças, porque são elas que programam. E o XO cria um ambiente natural de expressão da comunicação. Tem a câmera fotográfica, os fones, as crianças se comunicam conversando na tela. Conectam-se pela internet wireless. Além disso, tem uma coisa maravilhosa, que é a rede Mesh. Quando eu uso a internet nos PCs tradicionais, a comunicação e a interação ficam forçadas. Não é um ambiente para três, quatro pessoas colaborarem para gerar um produto.
ARede • Os outros computadores em teste no governo têm uma solução pedagógica?
Léa • Eles não têm teoria nem práticas pedagógicas diferentes. São para o ensino tradicional. Isso é que me dói. Tu vai fazer uma despesa danada, e não mudar nada. O governo está encantado com o ClassMate. Custa US$ 400, mas a Intel, que fez parceria com o Bradesco e a Editora Abril, paga a formação do professor, o transporte, dá a estrutura de rede para a escola. São módulos padronizados no mundo inteiro. E a Intel me diz: ‘somos uma multinacional, damos o mesmo conteúdo aqui, que damos em outros países’. Ou seja, não muda nada. Eu perguntei à coordenadora do programa do ClassMate quem dará esses cursos, ela respondeu que ela era mesma. A formação dela? Administração de Empresas. O outro, MBA, Marketing. Ou seja, a Intel vai formar professor para usar a máquina deles.
Para fabricar, a Intel procurou a Positivo. Vou dar um exemplo do que se trata. Fui a uma escola em São José dos Campos (SP) com 20 máquinas, crianças de 7ª série, todas sentadas, com a professora e um técnico ajudando. É uma aula de geografia, do capítulo do livro didático, mas todo o seu conteúdo está na internet. Pedi para baixar do site. Conteúdo de quem? Da Positivo. Era o homem pré-colombiano, mas a imagem não tinha nada de pré-colombiano, era elegante, magro, alto. E com roupinhas, para o aluno vestí-lo. É isso, roupinhas de boneca para vestir o homem pré-colombiano?
A Positivo tem 700 mil páginas na internet, que cobrem conteúdos de todas as matérias, de todas as séries. Está tudo pronto. O professor acha uma maravilha. Por que? Ele não precisa preparar a aula, não precisa planejar. Quando termina a aula, já tem teste pronto, e o programa diz o que as crianças erraram. Mas qual é a função do professor, então? O professor não precisa pensar?
ARede • No XO, qual a função do professor? Como ele vai trabalhar as atividades para atender ao currículo e as provas de avaliação do MEC?
A nossa educação é uma camisa-de-força. Não aprendemos a pensar e não temos consciência disso. Por exemplo, eu sou uma analfabeta musical. Fiz formação de professores, mestrado, doutorado, dois cursos de graduação — Psicologia e Pedagogia. E não consigo ouvir uma melodia e escrevê-la. Então, no que essa escola foi boa? Eu sou um ser limitado. Por que não posso aprender música? Não sei fazer uma acrobacia, uma coreografia, trabalho com imagem não existe. Adorava esporte. E por que não desenvolvi coordenação motora para fazer um esporte que me realizasse? Essa escola não desenvolve as pessoas. Ela é competitiva, mas não oferece o que os estudantes precisam agora. Na introdução à informática, ensina a usar o computador. Planilha, tabelas, gráficos. Fazer o que com isso?
O professor quer dar os conteúdos como sempre deu, do jeito que estão no livro. Mas, quando têm o XO à sua frente, são desafiados. E quando dão o XO às crianças, é emocionante.
ARede • Como está sendo a capacitação dos professores para o XO?
Léa • Aqui em Porto Alegre, tive que escolher uma escola com 400 alunos, o número de laptops que teríamos. Encontrei uma escola com 350 alunos e 50 professores, da 1ª à 9ª. Fizemos um seminário de dois dias. Apresentamos a pesquisa do LEC, como vamos fazer funcionar o modelo do XO, as propostas pedagógicas, o que já existe de produção de conhecimento científico. Trabalhamos com os dez XOs que tínhamos, em rodízio.
Prometeram nos mandar mais cem XOs depois do carnaval. Chegaram no Brasil, mas a alfandêga não liberou. Nem o MEC. Decidimos formar monitores com alunos da 7ª à 8ª séries que gostam de computadores. Eles vieram fazer a formação com os professores, para ajudar quando chegassem os computadores.
Então resolvemos fazer uma Formação Continuada em Serviço. Os professores trabalham de manhã, de tarde, de noite, e ganham pouco. Não têm tempo para sair e fazer cursos. Mas têm duas horas por semana para planejar. Essa é a hora teórica do curso; e as aulas, as horas práticas. Estamos documentando tudo. Se o Brasil comprar mais um milhão de XOs, teremos que formar 40 mil professores, em alguns meses. E quem vai fazer isso? Essas 40 professoras, nós e os meninos, a distância.
ARede • E como estão sendo as aulas com o XO? A rede Mesh já funciona?
Léa • Só chegaram à escola 50, dos cem, no dia 20 de março. Temos dez unidades com os programadores na universidade, e 50 na escola, dos 400. Só duas turmas de 4ª série, da tarde, estão usando. São 43 alunos e professores, mais os 12 monitores — 55 XOs. Estamos esperando os outros 50. Quando chegaram os primeiros, não tínhamos dinheiro nem para instalar a rede wireless. Colocamos do nosso bolso, parcelamos os equipamentos. Tivemos que recarregar todos os XO, porque chegaram com uma quantidade enorme de novas atividades. São 400 programadores produzindo no mundo todo.
Ainda não instalamos a rede Mesh. Foi preciso instalar uma rede local, para colocar os access points (pontos de acesso) — a escola não tinha acesso à internet, nem computador (só na secretaria). Os meninos tiraram uma peça de um micro, de outro, e montaram um servidor para garantir um sinal melhor. A internet via wireless, até ontem, usava o servidor daqui, da universidade. Agora, vão pendurar o XO na rede, para tentar colocar a rede Mesh.
ARede • Os alunos levam o laptop para a casa?
A primeira reunião com os pais tinha quase 400 pessoas, entre pais, mães, tios, avós. Os professores nunca tinham visto uma reunião dessas. Expliquei o projeto, e disse que eles teriam que assinar um contrato, porque o computador é da escola, e o filho vai poder levar para casa, para a família toda usar. Para fazer a inclusão na comunidade. É o que chamamos de escola expandida. O professor, em vez de chamar os pais para se queixar dos alunos, vai procurar os pais para participar dos trabalhos. Por exemplo: temos aqui esse muro da escola — a escola está abandonada, sem pintura, sem nada, pobre —, então os meninos podem fazer um projetinho de como revestí-lo, com reboco, cimento. Alguns dos pais trabalham em construção civil, são pedreiros. O menino leva o laptop, fotografa o pai, entrevista – como é que faz a argamassa, onde é que se compra, como é que se prepara a matéria. É o projeto deles. Os pais ensinam, eles trazem, colocam no nosso ambiente, e começam a produzir. Vão na loja, fazem orçamento. Aí os pais gostaram. É o conhecimento da família entrando na escola.
Perguntei aos pais: vocês acham que os alunos podem levar o computador para casa? Uma mãe disse que não, o menino toma dois ônibus, os ônibus são assaltados, achava perigoso. Mas outra perguntou: e no feriado? Aí pensei, ótimo. Quando for fim de semana ou feriado,vocês vêm aqui, acompanham seus fihos e levam o laptop, e trazem de volta. Gostaram. Um pai pediu a palavra e disse que todos precisavam correr riscos, ensinar os filhos e protegê-los. E bateram palmas. Mas as professoras ficaram com medo, querem se adaptar mais, e nem todos os pais assinaram o compromisso.
ARede • Se acontecer alguma coisa, os pais vão ter que pagar pela máquina?
Léa • Isso não adianta. O prejuízo real é do menino, que fica sem o XO. Mas também alertei a eles: é preciso compartilhar, ensinar, chamar os amigos em casa para usar.
ARede • Quais são as atividades que estão no XO?
Léa • Primeiro, e acho fantástico, é que ele não tem arquivos. Aí criticam: o XO não tem memória, o ClassMate tem. Pois não é mesmo para armazenar arquivo. Ele tem journal (de jornal, diário), onde se registram todas as atividades. Há um recurso de colocar tags e fazer banco de dados. Então, se tirei medidas de comprimento, fiz cálculo de superfíce — coloca a tag matemática. Aí fiz música, escrevi, vai pondo as tags, e depois acessa essas atividades por técnicas usadas, conceitos trabalhados, problemas resolvidos. A criança, com o professor, decide a classificação. Ela constrói um banco de dados sobre a própria atividade. Qualquer outro que entrar na rede Mesh vai no banco de dados e escolhe o que consultar.
ARede • Assim, as crianças desenvolvem alguma habilidade em programação?
Léa • Sim, porque programar é que faz aprender. A criança tem que fazer antecipações, retroações e tirar conclusões. Já estava na proposta da linguagem Logo. Agora, temos a linguagem Squeak. Foi criada em software aberto, orientada a objetos. Tu programas objetos, e faz atividades com os objetos, usando o recurso Etoys. Por exemplo, fazer um carrinho. O menino junta a roda, os pneus, a capota, o motorzinho. Desenha uma paisagem. E o carrinho tem que descer uma lomba. E quando manda o carro girar, engatar e descer, os comandos todos programadinhos, ele vai e cai lá embaixo, respinga e faz barulho – tchum! E O Squeak roda no XO.
LINKS INDICADOS
www.lec.ufrgs.br/index.php/Projeto_UCA_-_Um_Computador_por_Aluno
www.papert.org/ — Página do professor Seymour Papert
www.squeakland.org/ — Sobre o Squeak, software de autoria de mídias, de código aberto e voltado para a compartilhamento (em inglês).
Educação sem camisa-de-força
13 de abril de 2007
Verônica Couto
A professora Léa Fagundes, coordenadora do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), da UFRGS, conta por que acredita no laptop XO para revolucionar os processos de ensino no país. Ela também está pilotando os testes com o equipamento numa escola pública de Porto Alegre.
"Essa máquina XO é tudo o que a gente sonhou, queria, e nunca conseguiu”. Quem diz é a professora Léa Fagundes, psicóloga e pedagoga, referindo-se ao laptop da ONG One Laptop per Child (OLPC). Ela coordena o Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e também o teste pedagógico que está sendo feito na Escola Estadual Luciana de Abreu, em Porto Alegre, com o XO. Foi homenageada pela Unesco, no ano passado, na categoria Informação e Comunicação, em reconhecimento ao seu método de aprendizagem para escolas públicas, baseado no uso de novas tecnologias digitais. Na mesma ocasião, a Unesco premiou, pos mortem, o educador Paulo Freire, na categoria Educação.
O equipamento da OLPC, desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology (MTI), na opinião da professora, representa “uma revolução” no processo de aprendizado. “É um computador novo, o primeiro criado para ser usado na educação”, destaca. Ou seja, não é mais a adaptação forçada, para as escolas, de um equipamento feito para escritórios — como os PCs que rodam os aplicativos do Microsoft Office (escritório, em inglês) —, e que não teriam, segundo ela, promovido nenhuma melhoria na educação. O XO resulta, explica Léa, dos estudos de Jean Piaget e Seymour Papert, sobre as formas como as pessoas (especialmente, as crianças) percebem o mundo e aprendem, e de Marvin Minsky, precursor da inteligência artificial.
Dos 400 XOs previstos para a escola de Porto Alegre, contudo, chegaram apenas cem, em janeiro, dos quais somente 50 haviam sido liberados na alfandêga, até o final de março. A coordenadora do LEC lamenta que ainda haja, no governo e na indústria, muita oposição ao projeto da OLPC. Isso acontece, argumenta Léa, porque a Intel, fabricante do equipamento concorrente, o ClassMate, estaria oferecendo um pacote completo ao país — capacitação de professores, conteúdos curriculares, logística de transporte, tudo. “O problema é que o ClassMate é um PC, não muda nada no sistema de ensino”, critica ela.
O LEC também está trabalhando em parceria com a Sociedade do Software Livre, e com programadores da UFRGS, para desenvolver atividades pedagógicas para o XO. E capacitando os professores e alunos (da sétima série) da escola selecionada para o teste, que poderão, no futuro, formar um grupo de multiplicadores desse conhecimento para novos usuários do laptop, em cursos a distância. “Se o governo brasileiro comprar 1 milhão de equipamentos, teremos que treinar 40 mil professores da rede pública em menos de um ano”, calcula.
ARede • O que se pode esperar do XO do ponto de vista pedagógico? Qual a diferença entre ele e o ClassMate e o Mobilis, outros computadores que o governo avalia para uso na educação?
Léa • A diferença começa pela natureza do equipamento. Esse XO resultou de 30 anos de pesquisa do Media Lab, o laboratório de mídias do MIT, que estuda o desenvolvimento da inteligência, os processo de aprendizado e as tecnologias.
Quando criamos o Laboratório de Psicologia Cognitiva (há 30 anos), no Instituto de Psicologia, estudávamos os problemas de aprendizado. Isso foi sempre meu desafio, saber por que as crianças pobres, das escolas públicas, não aprendiam. Das crianças com sete anos, 50% eram reprovadas na 1ª série. E, daí em diante, sempre aquele atraso, aquela baixa autoestima, os professores desanimados. E a gente explicava que era “a pobreza”, “a ignorância dos pais”, “porque são pretos, filhos de escravos, de índios”. Não é nada disso. O educador precisa saber como a criança aprende e como a inteligência se desenvolve.
ARede • Como o XO responde a essa demanda?
Léa • Esse XO é tudo o que a gente sonhou, queria e nunca conseguiu. O PC nunca foi feito para a Educação, mas para a guerra, a indústria, o comércio. Tanto que um aplicativo que todo mundo usa, é o Office, que não tem nada a ver com educação, serve para escritório – office. A gente tenta é adaptar para a educação.
Mas, repara: quando a gente tinha teatro, não tinha cinema. Quando surgiu o cinema, como foram os primeiros filmes? Teatro filmado. O homem não consegue mudar tão rápido. Não há um salto. Você tem um sistema de significação, e fica preso nele. O seu raciocínio, a sua imaginação, fica tudo preso ao condicionamento da sua experiência de vida.
Então, o que fizeram os professores quando surgiu o PC? Colocaram o software aplicativo, e reproduziram no micro o material do livro didático. No primeiro projeto brasileiro do Ministério da Educação (MEC), junto com a Secretaria de Informática, foram criados cinco centros – a UFPE, UFMG, UFRJ, Unicamp, e nós (UFRGS). Todo mundo pensou em criar conteúdo para ensinar química, física, biologia. O pessoal do Rio levou cinco anos desenvolvendo um pacote completo, com todo o conteúdo do ensino básico, para o MSX (computador). Quando terminaram, o computador tinha saído de linha, o pacote não rodava. Tiveram que refazer tudo.
Aqui na UFRGS, nossa linha foi outra. Por que usar um recurso novo para reproduzir o tradicional? Na escola onde estamos testando o XO, há salas onde os alunos estão enfileirados, caderno e livro abertos. A professora passa as questões no quadro, eles copiam no caderno, e buscam respostas no livro. E nós estamos no século 21. Antigamente, se o aluno errava, tomava palmatória. Agora, não dá palmatória, dá nota baixa, reprova. Então, passa-se o século e a educação não muda. Porque é muito penoso ter uma formação, ser condicionado por ela, e, de repente, mudar tudo. Mas, mesmo lentamente, o sistema resiste. No mundo todo, a reação é a mesma. Se a escola vai mal, os alunos vão mal, ela perde recursos, então não se arrisca a inovar.
ARede • O plano do MEC não quer vincular metas a recursos?
É. Mas quem precisa de recursos é quem está mal. Essa concepção é mundial. Está tudo errado. É preciso aprender a se desenvolver, a pensar, refletir, ser criativo. Quando a criança é bem desenvolvida, bem atendida pela família, tem ambiente para aprender, viajar, livros para ler, mãe que escuta, que conversa, a criança aprende. Mesmo que o ensino seja moderado, ela aprende, porque está se desenvolvendo.
ARede • Como o XO muda essa escola?
Léa • Primeiro, ao permitir que o aluno não use o PC. Isso é importante. O ClassMate é bonitinho, igualzinho ao PC, com Word, planilha, Power Point, navegador, é familiar, confortável. O XO não é um PC. Eles inventaram um novo computador, feito só para educação. É a máquina das crianças.
O XO é a máquina das crianças, porque são elas que programam. E o XO cria um ambiente natural de expressão da comunicação. Tem a câmera fotográfica, os fones, as crianças se comunicam conversando na tela. Conectam-se pela internet wireless. Além disso, tem uma coisa maravilhosa, que é a rede Mesh. Quando eu uso a internet nos PCs tradicionais, a comunicação e a interação ficam forçadas. Não é um ambiente para três, quatro pessoas colaborarem para gerar um produto.
ARede • Os outros computadores em teste no governo têm uma solução pedagógica?
Léa • Eles não têm teoria nem práticas pedagógicas diferentes. São para o ensino tradicional. Isso é que me dói. Tu vai fazer uma despesa danada, e não mudar nada. O governo está encantado com o ClassMate. Custa US$ 400, mas a Intel, que fez parceria com o Bradesco e a Editora Abril, paga a formação do professor, o transporte, dá a estrutura de rede para a escola. São módulos padronizados no mundo inteiro. E a Intel me diz: ‘somos uma multinacional, damos o mesmo conteúdo aqui, que damos em outros países’. Ou seja, não muda nada. Eu perguntei à coordenadora do programa do ClassMate quem dará esses cursos, ela respondeu que ela era mesma. A formação dela? Administração de Empresas. O outro, MBA, Marketing. Ou seja, a Intel vai formar professor para usar a máquina deles.
Para fabricar, a Intel procurou a Positivo. Vou dar um exemplo do que se trata. Fui a uma escola em São José dos Campos (SP) com 20 máquinas, crianças de 7ª série, todas sentadas, com a professora e um técnico ajudando. É uma aula de geografia, do capítulo do livro didático, mas todo o seu conteúdo está na internet. Pedi para baixar do site. Conteúdo de quem? Da Positivo. Era o homem pré-colombiano, mas a imagem não tinha nada de pré-colombiano, era elegante, magro, alto. E com roupinhas, para o aluno vestí-lo. É isso, roupinhas de boneca para vestir o homem pré-colombiano?
A Positivo tem 700 mil páginas na internet, que cobrem conteúdos de todas as matérias, de todas as séries. Está tudo pronto. O professor acha uma maravilha. Por que? Ele não precisa preparar a aula, não precisa planejar. Quando termina a aula, já tem teste pronto, e o programa diz o que as crianças erraram. Mas qual é a função do professor, então? O professor não precisa pensar?
ARede • No XO, qual a função do professor? Como ele vai trabalhar as atividades para atender ao currículo e as provas de avaliação do MEC?
A nossa educação é uma camisa-de-força. Não aprendemos a pensar e não temos consciência disso. Por exemplo, eu sou uma analfabeta musical. Fiz formação de professores, mestrado, doutorado, dois cursos de graduação — Psicologia e Pedagogia. E não consigo ouvir uma melodia e escrevê-la. Então, no que essa escola foi boa? Eu sou um ser limitado. Por que não posso aprender música? Não sei fazer uma acrobacia, uma coreografia, trabalho com imagem não existe. Adorava esporte. E por que não desenvolvi coordenação motora para fazer um esporte que me realizasse? Essa escola não desenvolve as pessoas. Ela é competitiva, mas não oferece o que os estudantes precisam agora. Na introdução à informática, ensina a usar o computador. Planilha, tabelas, gráficos. Fazer o que com isso?
O professor quer dar os conteúdos como sempre deu, do jeito que estão no livro. Mas, quando têm o XO à sua frente, são desafiados. E quando dão o XO às crianças, é emocionante.
ARede • Como está sendo a capacitação dos professores para o XO?
Léa • Aqui em Porto Alegre, tive que escolher uma escola com 400 alunos, o número de laptops que teríamos. Encontrei uma escola com 350 alunos e 50 professores, da 1ª à 9ª. Fizemos um seminário de dois dias. Apresentamos a pesquisa do LEC, como vamos fazer funcionar o modelo do XO, as propostas pedagógicas, o que já existe de produção de conhecimento científico. Trabalhamos com os dez XOs que tínhamos, em rodízio.
Prometeram nos mandar mais cem XOs depois do carnaval. Chegaram no Brasil, mas a alfandêga não liberou. Nem o MEC. Decidimos formar monitores com alunos da 7ª à 8ª séries que gostam de computadores. Eles vieram fazer a formação com os professores, para ajudar quando chegassem os computadores.
Então resolvemos fazer uma Formação Continuada em Serviço. Os professores trabalham de manhã, de tarde, de noite, e ganham pouco. Não têm tempo para sair e fazer cursos. Mas têm duas horas por semana para planejar. Essa é a hora teórica do curso; e as aulas, as horas práticas. Estamos documentando tudo. Se o Brasil comprar mais um milhão de XOs, teremos que formar 40 mil professores, em alguns meses. E quem vai fazer isso? Essas 40 professoras, nós e os meninos, a distância.
ARede • E como estão sendo as aulas com o XO? A rede Mesh já funciona?
Léa • Só chegaram à escola 50, dos cem, no dia 20 de março. Temos dez unidades com os programadores na universidade, e 50 na escola, dos 400. Só duas turmas de 4ª série, da tarde, estão usando. São 43 alunos e professores, mais os 12 monitores — 55 XOs. Estamos esperando os outros 50. Quando chegaram os primeiros, não tínhamos dinheiro nem para instalar a rede wireless. Colocamos do nosso bolso, parcelamos os equipamentos. Tivemos que recarregar todos os XO, porque chegaram com uma quantidade enorme de novas atividades. São 400 programadores produzindo no mundo todo.
Ainda não instalamos a rede Mesh. Foi preciso instalar uma rede local, para colocar os access points (pontos de acesso) — a escola não tinha acesso à internet, nem computador (só na secretaria). Os meninos tiraram uma peça de um micro, de outro, e montaram um servidor para garantir um sinal melhor. A internet via wireless, até ontem, usava o servidor daqui, da universidade. Agora, vão pendurar o XO na rede, para tentar colocar a rede Mesh.
ARede • Os alunos levam o laptop para a casa?
A primeira reunião com os pais tinha quase 400 pessoas, entre pais, mães, tios, avós. Os professores nunca tinham visto uma reunião dessas. Expliquei o projeto, e disse que eles teriam que assinar um contrato, porque o computador é da escola, e o filho vai poder levar para casa, para a família toda usar. Para fazer a inclusão na comunidade. É o que chamamos de escola expandida. O professor, em vez de chamar os pais para se queixar dos alunos, vai procurar os pais para participar dos trabalhos. Por exemplo: temos aqui esse muro da escola — a escola está abandonada, sem pintura, sem nada, pobre —, então os meninos podem fazer um projetinho de como revestí-lo, com reboco, cimento. Alguns dos pais trabalham em construção civil, são pedreiros. O menino leva o laptop, fotografa o pai, entrevista – como é que faz a argamassa, onde é que se compra, como é que se prepara a matéria. É o projeto deles. Os pais ensinam, eles trazem, colocam no nosso ambiente, e começam a produzir. Vão na loja, fazem orçamento. Aí os pais gostaram. É o conhecimento da família entrando na escola.
Perguntei aos pais: vocês acham que os alunos podem levar o computador para casa? Uma mãe disse que não, o menino toma dois ônibus, os ônibus são assaltados, achava perigoso. Mas outra perguntou: e no feriado? Aí pensei, ótimo. Quando for fim de semana ou feriado,vocês vêm aqui, acompanham seus fihos e levam o laptop, e trazem de volta. Gostaram. Um pai pediu a palavra e disse que todos precisavam correr riscos, ensinar os filhos e protegê-los. E bateram palmas. Mas as professoras ficaram com medo, querem se adaptar mais, e nem todos os pais assinaram o compromisso.
ARede • Se acontecer alguma coisa, os pais vão ter que pagar pela máquina?
Léa • Isso não adianta. O prejuízo real é do menino, que fica sem o XO. Mas também alertei a eles: é preciso compartilhar, ensinar, chamar os amigos em casa para usar.
ARede • Quais são as atividades que estão no XO?
Léa • Primeiro, e acho fantástico, é que ele não tem arquivos. Aí criticam: o XO não tem memória, o ClassMate tem. Pois não é mesmo para armazenar arquivo. Ele tem journal (de jornal, diário), onde se registram todas as atividades. Há um recurso de colocar tags e fazer banco de dados. Então, se tirei medidas de comprimento, fiz cálculo de superfíce — coloca a tag matemática. Aí fiz música, escrevi, vai pondo as tags, e depois acessa essas atividades por técnicas usadas, conceitos trabalhados, problemas resolvidos. A criança, com o professor, decide a classificação. Ela constrói um banco de dados sobre a própria atividade. Qualquer outro que entrar na rede Mesh vai no banco de dados e escolhe o que consultar.
ARede • Assim, as crianças desenvolvem alguma habilidade em programação?
Léa • Sim, porque programar é que faz aprender. A criança tem que fazer antecipações, retroações e tirar conclusões. Já estava na proposta da linguagem Logo. Agora, temos a linguagem Squeak. Foi criada em software aberto, orientada a objetos. Tu programas objetos, e faz atividades com os objetos, usando o recurso Etoys. Por exemplo, fazer um carrinho. O menino junta a roda, os pneus, a capota, o motorzinho. Desenha uma paisagem. E o carrinho tem que descer uma lomba. E quando manda o carro girar, engatar e descer, os comandos todos programadinhos, ele vai e cai lá embaixo, respinga e faz barulho – tchum! E O Squeak roda no XO.
LINKS INDICADOS
www.lec.ufrgs.br/index.php/Projeto_UCA_-_Um_Computador_por_Aluno
www.papert.org/ — Página do professor Seymour Papert
www.squeakland.org/ — Sobre o Squeak, software de autoria de mídias, de código aberto e voltado para a compartilhamento (em inglês).
Friday, May 04, 2007
METARECICLAGEM, CIBERMANISFESTOS, MICRODOCUMENTÁRIOS E NANOFILMES... A FUSÃO DA CONVERGÊNCIA COM A MOBILIDADE.
Ontem, dia 3 de maio, Hernani Dimantas, meta-recicleiro, blogueiro das antigas, doutorando na ECA, esteve no seminário do Grupo de Pesquisa de COMUNICAÇÃO, TECNOLOGIA E CULTURA DA REDE, da pós-graduação da Cásper Líbero. Ele falou sobre o IMPACTO DO PENSAMENTO DAVID WEINBERGER, HOWARD RHEINGOLD E CHRISTOPHER LOCKE NA COMUNICAÇÃO EM REDE. O debate durou 3 hs e tentou captar as peculiaridades do cenário digital e das redes informacionais.
Felipe Fonseca, um dos pioneiros da metareciclagem no Brasil, esteve há três semanas, na aula de WEB 2.0 e P2P que ministro na Cásper, expondo os princípios do movimento e como ele trabalha reconfigurando sucatas e códigos. Tanto Felipe quanto Hernani deixaram claro que o centro da cibercultura está na remixagem e na lógica recombinante.
Agora, no dia 9 de maio, quem virá discutir com os alunos da matéria WEB 2.0 E P2P, será o videoativista Sylvio Rocha. Sylvio dirigiu junto com Rudá K. Andrade o longa metragem “Somos todos Sacys”, documentário premiado sobre um dos principais personagens da cultura popular brasileira.
Sylvio Rocha estará em nossa ENCONTRO-OFICINA falando sobre a evolução da arte de filmar e o futuro do filme no ambiente de convergência digital e mobilidade. Tratará da criação, roteiro e edição de microdocumentários, nanofilmes e vídeos de bolso.
Pesquisar e aprender a fazer vídeos para celulares, palms e laptops é uma exigência crescente na área de comunicação. Jornalismo para celulares, ficção em drops, nano-dramaturgia é uma tendência que parece estar se consolidando.
Felipe Fonseca, um dos pioneiros da metareciclagem no Brasil, esteve há três semanas, na aula de WEB 2.0 e P2P que ministro na Cásper, expondo os princípios do movimento e como ele trabalha reconfigurando sucatas e códigos. Tanto Felipe quanto Hernani deixaram claro que o centro da cibercultura está na remixagem e na lógica recombinante.
Agora, no dia 9 de maio, quem virá discutir com os alunos da matéria WEB 2.0 E P2P, será o videoativista Sylvio Rocha. Sylvio dirigiu junto com Rudá K. Andrade o longa metragem “Somos todos Sacys”, documentário premiado sobre um dos principais personagens da cultura popular brasileira.
Sylvio Rocha estará em nossa ENCONTRO-OFICINA falando sobre a evolução da arte de filmar e o futuro do filme no ambiente de convergência digital e mobilidade. Tratará da criação, roteiro e edição de microdocumentários, nanofilmes e vídeos de bolso.
Pesquisar e aprender a fazer vídeos para celulares, palms e laptops é uma exigência crescente na área de comunicação. Jornalismo para celulares, ficção em drops, nano-dramaturgia é uma tendência que parece estar se consolidando.
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Thursday, May 03, 2007
LANÇAMENTO DO LIVRO COMUNICAÇÃO DIGITAL E A CONSTRUÇÃO DO COMMONS EM SÃO PAULO: IMPERDÍVEL, DIA 17 DE MAIO, QUINTA.
Gostaria de convidar a todos para comparecer ao lançamento do livro Comunicação digital e a construção dos commons: redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação.
O livro conta com artigos de cinco autores: Gustavo Gindre, João Brant, Kevin Werbach, Sérgio Amadeu da Silveira e Yochai Benkler.
Dia: 17 de maio, quinta-feira, das 19 às 22 horas
Das 19:30 às 21 horas haverá um bate-papo com os autores Sérgio Amadeu da Silveira, João Brant e Gustavo Gindre sobre o livro.
Local: Livraria Martins Fontes
Endereço: Av: Paulista, 509 - loja 17 (próximo da estação Brigadeiro do Metrô)
– São Paulo – SP
Convênio com estacionamento Fac Park (R: Manoel da Nóbrega, 88)
Estarão presentes: Gustavo Gindre, João Brant e eu. Além de um modesto coquetel realizaremos um breve debate sobre o commons, a convergência digital e a democratização das comunicações. Além disso, você poderá conseguir uma dedicatória dos três autores.
O livro conta com artigos de cinco autores: Gustavo Gindre, João Brant, Kevin Werbach, Sérgio Amadeu da Silveira e Yochai Benkler.
Dia: 17 de maio, quinta-feira, das 19 às 22 horas
Das 19:30 às 21 horas haverá um bate-papo com os autores Sérgio Amadeu da Silveira, João Brant e Gustavo Gindre sobre o livro.
Local: Livraria Martins Fontes
Endereço: Av: Paulista, 509 - loja 17 (próximo da estação Brigadeiro do Metrô)
– São Paulo – SP
Convênio com estacionamento Fac Park (R: Manoel da Nóbrega, 88)
Estarão presentes: Gustavo Gindre, João Brant e eu. Além de um modesto coquetel realizaremos um breve debate sobre o commons, a convergência digital e a democratização das comunicações. Além disso, você poderá conseguir uma dedicatória dos três autores.
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