As Olimpíadas na China além das maravilhas do esporte e da cultura milenar alertaram o mundo para a realidade de um sistema político autoritário. Não são apenas os monges tibetanos que são reprimidos em suas manifestações de pensamento e religião, muitas etnias, minorias, grupos culturais e associações políticas são impedidos de divergir das autoridades centrais de Pequim. Não existe espaço para a discordância. Lá, o poder sempre está certo. A liberdade das pessoas diante do poder é extremamente limitada. Para apoiar os jornalistas que iriam cobrir as Olimpíadas e para permitir que os chineses pudessem se comunicar sem serem perseguidos é que o Chaos Computer Club, grupo alemão conhecido pela sigla CCC, criou um dispositivo chamado Freedom Stick.
Desde o início da internet, antes da existência dos microcomputadores, quando a rede ainda era um projeto da Agência de Pesquisas Avançadas (ARPA), alguns programadores talentosos influenciados pelos ideais libertários da contracultura norte-americana foram construindo uma comunidade de pessoas altamente capacitadas e fortemente ligadas pelos princípios de compartilhamento do conhecimento e solidariedade. Assim surgiu a comunidade dos hackers. Obviamente, a defesa intransigente da liberdade de criação tecnológica e de expressão não agradavam as grandes corporações. Com sua força econômica e política, estas empresas conseguiram que a maioria da imprensa utilizasse o termo 'hacker' como sinônimo de criminosos e invasores de máquinas. Mas, hackers não são crackers, que buscam obter benefícios ilícitos e pessoais, explorando a ingenuidade alheia ou as falhas de sistemas informacionais. Como afirmou Eric Raymond, autor do famoso livro Catedral e Bazar, os hackers são os responsáveis pela contrução da Internet.
O sociólogo Manuel Castells, autor do livro A Sociedade em Rede, analisa a formação da rede e percebe que a cultura hacker foi decisiva para que o seu funcionamento fosse baseado na liberdade. A ideologia hacker é que proporcionou que na Internet a tarefa de controlar seja mais difícil do que a liberdade de se comunicar. Talvez a característica mais fantástica da rede mundial de computadores é a possibilidade que qualquer pessoa ou grupo competente possui de ir além da criação de conteúdos. As pessoas podem criar novos formatos e novas tecnologias. Se não querem que seu conteúdo transite, você pode inventar um modo que burlar o controle. Isto baneficia algumas atividades ilegítimas e reprováveis, mas o uso quase absoluto das possibilidades de livre criação têm fortalecido práticas saudáveis de liberdade, democracia e colaboração.
Compartilhando seu conhecimento tecnológico com quem necessita fugir do vigilantismo anti-democrático, os hackers alemães reunidos no Caos Computer Club criaram um aplicativo de fácil instalação em máquinas com Linux, FreeBSD ou windows que permite acessar a rede TOR e ultrapassar a "Grande Firewall da China", ou seja, o enorme filtro de mensagens e boqueador de acesso a vários sites mantido pelo governo chinês. Esse aplicativo, denominado Freedom Stick permite que seu usuário consiga acessar um sistema mundial de servidores, executado por voluntários, que impede a identificação da origem dos pacotes de informações que transitam pela Internet, ou seja, garante o anonimato de quem está lutando pela liberdade e combatendo a censura das comunicações. Pode ser baixado no site
O Tribunal Constitucional Federal alemão criminaliza o uso de aplicativos TOR o que dificulta o trabalho de voluntários que apóiam os movimentos contras as ditaduras e sistemas políticos totalitários. Björn Pahls, do CCC, afirma que a "censura na China é um sintoma de um estado de vigilância que tem sido apoiado tecnologicamente pelas sociedades ocidentais". Pahls fez um apelo às autoridade alemãs "para parar de penalizar os operadores de servidores da rede Tor. O comportamento das autoridades é altamente prejudicial para as pessoas que vivem submetidas a Estados opressores, suas vidas estão em risco. China é apenas um dos muitos exemplos".
Ian Clarke, nascido em 1977, na Irlanda, criador e programador principal da rede Freenet, deixa claro a importância do anonimato nas redes de comunicação ao afirmar: "Você não pode ter liberdade de expressão, sem a opção de permanecer anônimo. A maioria dos atos de censura é retrospectivo. É geralmente muito mais fácil para a limitar a liberdade de expressão punir aqueles que a exerceram ao invés de impedi-los de fazê-lo em primeiro lugar. A única forma de evitar isto é o anonimato". Por isso, o TOR é fundamental para a liberdade de expressão e criação nas redes. Em seu site principal,
Quem está usando TOR? Uma série de entidades de defesas dos direitos humanos, tais como Human Rights Watch; organizações que defendem ou praticam a liberdade de expressão, tais como a Global Voices, um projeto de mídia fundado pela Harvard Law School’s Berkman Center for Internet and Society, e a Eletronic Frontier Foundation, que luta pelas liberdades civis na rede; associações de jornalistas que precisam driblar a censura, como os Repórteres sem Fronteira; blogueiros dissidentes de regimes totalitários, entre tantos outros que lutam pela liberdade dentro e fora do ciberespaço.
* Este texto foi publicado na Revista A Rede, número 40, setembro de 2008.